quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Rua Nossa Sra de Lurdes


EMIGRAÇÃO BRASIL SÉCULO XIX

Está em construção um espaço onde pode encontrar os naturais de Justes que emigraram para o BRASIL.

http://emigrantesjustes.blogspot.com/

terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Castanhas


A castanha é algo saboroso, nutritivo, que não necessita de tempero nem de preparação especial, possibilitando o consumo cozida, assada, crua ou seca.
No final do mês de Outubro a castanha madura cai espontaneamente, abrindo-se espreitando no meio dos ouriços. Até Janeiro e mais, faz-se o uso da castanha verde, assada, cozida e até sem preparo algum.
Depois, quem quer conservar as castanhas, tem que proceder à sua secagem.
Hoje as castanhas são uma guloseima de Outono, que se come com gosto, quentinhas e boas, mas ninguém abusa, porque engorda, porque gera movimentos de ar desagradáveis e porque são caras, no entanto a castanha teve imensa importância na dieta alimentar dos nossos antepassados de Justes, substituindo por vezes o pão e a batata. A castanha era alimento de ricos e de pobres, consumidas após a refeição ou constituíam a própria refeição, e frequentemente mergulhavam no pote do caldo, formando uma deliociosa sopa adocicada e altamente nutritiva.
A castanha é usada na alimentação desde os tempos pré-históricos.
As castanhas que comemos, frutos do castanheiro, são ricas em amido (hidrato de carbono), o dobro da percentagem das batatas, em vitaminas C e B6 e potássio.
Antes de cozinhadas, deve-se talhar a casca, para que se possa libertar o vapor de água resultante da cozedura ou do assado, evitando que ela estoire ou expluda.

As doenças do castanheiro reduziram muito a sua produção. Nos anos oitenta, em Justes, foram feitas novas plantações mas ainda não se atingiu o número de castanheiros e soutos existentes no século XIX.
Para ampliar o seu tempo de consumo secavam-se as castanhas no caniço, por cima da fogueira que ardia na lage granítica das cozinhas. Em baixo os potes ajeitavam-se ao lume de dia e de noite e o calor elevava-se penetrando no caniço, secando o miolo e facilitando a separação da casca e da camisa. O seu tempo de secagem é de cerca de 30 dias.
O caniço é uma estrutura de ripado de madeira, com uma malha que permite não deixar cair as castanhas e ao mesmo tempo deixa passar o calor que irá secar as castanhas. Este processo caiu em desuso.
Em Justes nunca houve o hábito de transformar a castanha seca em farinha. Quando as pessoas iam para o campo trabalhar levavam sempre algumas castanhas secas no bolso, para assim enganarem a fome.

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

No dia da consoada


"No dia da consoada o sino repica desde o meio-dia até à meia noite e vulgarmente são as crianças que o tocam de dia e os homens à noite.

A gente nova leva enormes cepas de árvore para junto do Cruzeiro de Nossa Senhora das Dores no Boal onde durante toda a noite até à manhã de Natal arde a fogueira e, junto dela, a juventude se diverte... e aquece.

Na ceia da consoada fazem parte além das tradicionais batatas cozidas, com bacalhau e couve troncha, bolos de bacalhau, rabanadas, sonhos, bolinhos de chila e de abóbora."


Excerto de Trabalho de liguistica de autoria de Silvia Afonso, 1968

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Fogueira de natal

É Natal, está tudo preparado para a grande fogueira que se faz no largo do Boal.

Esta é uma tradição que passa de geração em geração, mas tem como origem os nossos ascendentes pagãos da era pré-cristã.

O chamado Solstício de Inverno, é o dia mais curto e a noite mais longa do ano, que acontece por volta do dia 21 de Dezembro, na mudança do Outono para o Inverno.

Na sociedade actual ocidental, a festa do Solsticio de Inverno é representada pelo Natal.

O Natal, que acontece alguns dias após o Solstício de Inverno e que celebra o nascimento espiritual de Jesus Cristo, é realmente a versão cristianizada da antiga festa pagã da época do Natal.

A fogueira de Natal era acesa para dar vida e poder ao sol, que, pensava-se, renascia no Solstício do Inverno. Tempos mais tarde, o costume da fogueira ao ar livre foi substituído pela queima dentro de casa de uma acha e por longas velas vermelhas gravadas com esculturas de motivos solares e outros símbolos mágicos. Como o carvalho era considerado a árvore Cósmica da Vida pelos antigos druidas, a acha de Natal é tradicionalmente de carvalho. (...)

Justes mantém-se fiel ao costume pagão. Troncos enormes são localizados no largo do Boal, uns dias antes do Natal, e ardem pela noite fora, de 24 para 25 de Dezembro, representando a coesão desta comunidade rural.
Depois da consoanda, crianças, jovens, adultos e anciãos, vão-se juntando à volta da fogueira, convivendo pela noite fora através da conversa, da comida e da bebida, por vezes animada com música popular.

A grande fogueira é unica no ano.

Estarei lá!



(voltarei mais tarde a este assunto interessantissimo da cultura pagã)

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Expressões II


"Não tirar maquia"- Não tirar rendimento do trabalho realizado.

"Botar um chaço" – reconstruir o calcanhar de uma meia de lã.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

domingo, 14 de dezembro de 2008

Anos 70


Há três décadas e tal, anos setenta, uns dormiam a sesta pelo mormaço das tardes quentes de verão, encostados num escano, ou num fardo de palha na frescura dum palheiro.
Outros não tinham paciência para a dormir, ocupando a consciência com sonhos de liberdade, sentidos na brisa nascida em duas rodas. Não importava para onde se ia, importava sim uma boa companhia, dar frescura aos cabelos que eram longos, e sentir a vertigem da velocidade.
Não se falava de poluição, nem de segurança rodoviária, falava-se apenas em escape livre que atormentava os ouvidos antigos, apenas habituados a escutar o piar dos galinácios.
Havia sempre alguém, por trás de uma janela entreaberta, fazendo o sinal da cruz seguido de uma praga pestilenta, e observava invejosamente o despojamento de uma juventude que lutava contra a tradição, e fazia amizade com a revolta, a inovação e a provocação; alguém incomodado pelo prazer e a felicidade dos outros.

Um beijo para ti Lino, e obrigada por partilhares comigo alguns quilometros de calceta, asfalto e terra batida.

Gentes 3


quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Rabanadas (receita)


Pão de cacete
6 ovos
1 L de leite

O truque para que a rabanada não fique oleada ...é não bater os ovos ...fura-se as gemas com o garfo ...e dá-se umas michidelas com o garfo....sem bater.
O pão deve ser do dia anterior ou mais....cortado em fatias ...demolha-se muito bem no leite, e depois passa-se pelos ovos batidos
Vai para a frigideira a fritar onde já está o óleo bem quente.

Para a calda: Açucar + água, canela, casca de limão e vinho do Porto.
Coloca-se açúcar e água a ferver ...quando estiver a ferver bem, colocase a canela, e antes de desligar coloca-se cascas de limão cortadas fininhas ( evitar o branco) e o vinho do Porto.

Regar as rabanadas com esta calda.

Polvilhar ligeiramente com açucar e canela.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Justes com neve

Base da escadaria de acesso ao Monte da Sra de Lurdes
Rua de baixo


domingo, 7 de dezembro de 2008

Transmontaneidade de Trás-os Montes*



Morria-se cedo, com aquelas doenças que hoje achamos triviais, e que nos surpreendem, quando alguém leva no passaporte para outra vida, essa chancela… sendo até motivo para vir na televisão, abrir inquérito, etc….

A esperança de vida era reduzida, e vivida com tantas limitações, que nem conta se dava que afinal, se vivia!


O Estado nada assegurava, nada protegia,... era a mãe natureza que ia cuidando disso, ano após ano, renovando o ciclo da vida, mas, no meio de tanta fome, tanto frio e tanta miséria humana, torna-se difícil descrever e compreender o drama de cada família.

Injustiça?
Era palavra que nem habitava no vocabulário dessas gentes!
O que lhes habitava nas emoções e sensações, era mesmo, a FOME, com as quatro letras bem desenhadas nos seus estômagos cada vez menores.

A luta pela sobrevivência era diária, e ia-se enganando a fome, com uma côdea de pão, às vezes uma malga de caldo e umas orações ao Altíssimo. Não havia princípios, caprichos ou projectos para o futuro, quando se fixava os olhos escancarados dos filhos, que nasciam um após outro; só se construía uma prioridade: fazê-los vingar!

...muitos morriam “anjinhos”, e as outras crianças é que carregavam o caixão, até à cova, na eterna cumplicidade da miséria e na aceitação de uma infância por cumprir, mas solidária.
O próximo seria um deles!
Uns morriam sem crescer, outros morriam um pouco mais tarde que os primeiros, ganhando asas celestiais, na fatalidade da vida madrasta. Outros, os mais felizes, talvez, nem despesa davam: nasciam directamente para o céu.

A fome, era fome a sério.

FOOOOOOOMMMMMMEEEE!

Fome!

F-O-M-E!

Carência alimentar extrema.

Aquilo que hoje, nem sabemos bem avaliar o que é, pois raramente experimentamos a sensação de estômago vazio por mais de 2 ou 3 horas! Não sabemos sequer configurar uma situação parecida. Chega-nos por vezes imagem de sítios distantes, de gentes de outra cor.
...mas o outro lado da África, fica tão longe!!!!

Andava-se descalço, fizesse calor ou frio! Os dedos dos pés por vezes, "engatinhavam" e convertiam-se numa chaga, de tanto gelo pisar. As crianças aprendiam a trabalhar, logo que saíam do colo da mãe, para dar a vez ao recém nascido.
Iam para o pasto; junguiam as vacas -operação complicada, pois nem lhes chegavam aos cornos, quanto mais colocar-lhes o jugo e as molhelhas, sem receberem umas valentes cornadas!

...aconchegavam-se, deitando-se ao lado de uma ovelha mais tolerante, absorvendo um pouco de calor, da sua lã, sob o olhar silencioso, mas não menos sofrido, dos que os “botaram” ao mundo.
O leite era bebido da teta da cabrita, quando ela paria, e mesmo assim, eram as sobras que a cria deixava. E isto era quando tudo corria bem. Só que, era raro tudo correr bem!
Fraldas?

Não existiam!
Usavam-se calças de rabo aberto, onde os excrementos escorriam e caíam para o exterior.
Impressiona ler isto?
... imaginem senti-lo em dias de neve, sincelo e de muito, muito frio!!!… era assim que as crianças aprendiam a controlar as suas necessidades fisiológicas básicas!

Aprendiam sofrendo!

Sempre! … de geração em geração!

Nada se deitava fora, tudo se aproveitava! até a temperatura da urina e da bosta dos animais, e da sua posterior decomposição, ajudava a aquecer as modestas casas ou os abrigos onde viviam,
… ou pensam que era moda, viver junto dos animais?

Morria-se de pneumonia, de febre tifóide, de tétano, de tuberculose, de gripe, de anginas…
As enfermidades físicas, não se curavam, cortavam-se ou talhavam-se.
Talhava-se o coxo, cortava-se o ar, o mau olhado e a ziripela, levantava-se o ventre, rezava-se o sarampelo (sarampo, sarampelo, sete vezes vem ao pelo, põe-lhe papel e água benta) e padecia-se de trasorelho uma infinidade de dias. As enfermidades da alma, temiam-se e partilhavam-se numas “alminhas”, em hora de maior aflição.

Um milagre acontecido, mandava-se pintar a cena a um habilidoso e se oferecia ao Sr. do Calvário, em sinal de agradecimento, e para a próxima não ser pior.

Nascia-se e morria-se em casa, e isolava-se para sempre os leprosos, numa aldeia distante, para os lados de Mira.

Os loucos se amarravam!

Esses tempos cumpriram bem a chamada selecção natural. Sem dúvida!
Poucos morriam de cancro, de alzheimer ou de esclerose múltipla, pois não tinham sequer o privilégio de lá chegar. Eram raros os que tinham tempo para ultrapassar os cinquenta.

Quando penso em injustiça, penso em guerras laborais. Penso na falsa democratização do ensino, penso no desemprego, na desigualdade de oportunidades, nas frágeis e incompatíveis relações de produção, penso em países invadidos por outros, que se sentem no direito de o fazer, ou seja, configuro os extremos do que é ou não justo, numa dimensão que já nem engloba estas situações limite, tão vulgares na transmontaneidade de há umas décadas atrás, e que se caracterizavam, pela precaridade extrema, pela não existência de tudo e de nada, pela miserabilidade consciente a todos os níveis,… pela dureza granítica de sentir!

Esta realidade provavelmente, e felizmente, será estranha a muita gente, mas afinal não precisamos de recuar mais de 3 décadas. Ela está a um passo atrás de nós, espreitando-nos ainda!

O mau, não se distinguia do péssimo, e o absolutamente insuportável, era o vivido no dia a dia.
Apenas há 3 décadas, existiam pessoas iguais a nós, que esperavam que os vizinhos acendessem o lume, para pedir o lume emprestado, evitando que se gastasse um fósforo, pois o dinheiro era muito caro!

Acho que injustiça na verdade é quando alguém vem lembrar as vantagens do antes, a justiça dos governantes que multiplicavam a fome, e defendiam o vinho como meio de matar a fome ao povo.
Injustiça, é apelar ao “antigamente é que era bom”.

Esperemos que nunca mais ninguém tenha de provar sequer o antigamente, muito menos vivê-lo!Já é mau recordá-lo!
Para a frente é que se caminha!

*Trás-os-Montes - terra de muitos montes, virados de costas para o mar, de invernos e infernos.Refiro-me às terras frias de solos pobres resultantes de clivagens e erosões milenares do Alvão e do Palão, sem terra preta para cultivo, por onde Cristo não passou, e onde os penedos serviram para avistar mais longe e construir certos dias de esperança.

Anabela Quelhas

Texto publicado em 6 de Janeiro de 2007 - quando a autora o escreveu pensou em Justes narrado pelos seus pais e pela sua avó.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

No tempo do Volfrâmio parte V


O Douro, ciclicamente, é atormentado por um qualquer flagelo que traz desgraça, fome e miséria. As chagas abertas pela Filoxera ainda não estavam saradas. Havia famílias que haviam fugido da beira do rio, do xisto, da zona demarcada pelo Marquês de Pombal, para procurarem subsistência, lá para os altos, onde a praga não chegasse. Deambulavam de terra, em terra à procura do sustento. O Douro demorava a retomar vida (abro um parêntesis para aconselhar a leitura do livro de Francisco Moita Flores, intitulado “ A Fúrias das Vinhas”).
Foram experimentadas novas culturas, como o tabaco!
Nada!
Parecia que a terra nada queria com os durienses!
O aparecimento do Volfrâmio deu novo ânimo às pessoas. Era uma nova oportunidade de vida, era a procura de melhores condições, era a salvação!.
Esta ânsia, desespero, vontade de viver, explicará porque se cometeram tantas loucuras.
Também explicará um velho ditado:“…na terra dos cegos, quem tem um olho, é rei! “
Pelas zonas, onde era constado que havia “minério”, concentravam-se centenas de pessoas, vindas de todo o País e até do estrangeiro. Num belo e exemplar trabalho apresentado pelo Curso de Geologia da UTAD , em exposição feita em Sabrosa – Vila Real, subordinado ao tema “ Reviver o passado do Vale das Gatas”, é descrito que laboraram no auge desta mina de exploração de Volfrâmio cidadãos oriundos de 48 concelhos de Portugal e de alguns países estrangeiros!
Elucidativo.
Vinham para arranjar minério, procurar a sorte, fazer fortuna.
Salazar, no seu jogo de não entrar na guerra, servindo os dois blocos em confronto, é obrigado a proibir a exportação do volfrâmio. Os preços caem a pique e, entretanto, acaba a guerra.
Os Alemães, predominantes donos das minas, ao saberem da proclamação do V.E Day ( Dia de Vitória na Europa), em Tratado assinado por Churchil e Truman, desaparecem do dia para a noite. Fica um! No Vale das Gatas. Aí permanece, constitui família e prossegue com a laboração da Mina.
Sujeitos à vigilância, ao medo, às “raitadas”, aos assaltos, à luta clandestina por um pedaço de volfrâmio, estes milhares de pessoas lançam-se desordenadamente ao assalto das minas sem dono.
Se até aí, o trabalho era duro, desumano e policiado, mas com o mínimo de segurança no interior das minas, obedecendo às regras da altura, ou seja avanço e escoramento do espaço escavado para evitar desmoronamentos, deu lugar à loucura!
As pessoas entravam desordenadamente nas minas e escavavam sem o mínimo de cuidado em escorar os avanços. Sofregamente escavavam, escavavam, à procura do filão mineralizado. Se eventualmente havia um “cavalgamento”, uma falha ( torções ou desvios, simplificando) do filão, desorientados escavavam buracos por todo o lado.
Muita gente morreu soterrada
Muitas lendas surgiram, desde então!
Em princípios dos anos 80, procedia ao levantamento de uma mina abandonada.
Era importante estudá-la por ser uma referência na zona. Daria informações importantes, àquela profundidade, da geologia da zona.
Era impossível entrar pela boca. Era um autêntico lago. Descobriu-se através de um miúdo que por ali andava com o gado, da existência de uma chaminé de acesso à mina. Uma cabra que por lá caíra e o medo de chegar a casa sem ela, obrigou o miúdo a descer até lá dentro. Descoberto o segredo, deu para verificar que o tal lago era somente na entrada e seria fácil de retirar a água. Requisitadas bombas de água aos Bombeiros locais, em quatro horas tivemos condições de segurança para entrar na mina.
Avancei com um colega.
Relembro a galeria central, ao longo do filão principal, com pequenas galerias laterais, de detecção. Pelo centro, vários poços, cheios de água, mas que tinham servido para detectar os tais ressaltos do filão principal.
Demorámos duas ou três horas. Quando se está lá dentro, parece que se esquece o mundo exterior. Somos nós, o silêncio e a rocha, que em surdina parece que nos comunica algo. O tempo passa por nós, sem nos apercebermos que há um relógio que teimosamente avança, um sol que se esconde, ou uma realidade exterior que esquecemos, entretanto.
De repente, um “chapinhar” chama-nos a atenção!
Chap, Chap, Chap,! Vozes lá ao longe: “ – Anda cá, para onde vais, desgraçado?”
Acabou-se o trabalho! O perigo daqueles poços no meio da galeria alertou-nos de que algo poderia acontecer.
Corremos para a boca da mina e deparámos com um homem, manco, agarrado a um varapau que avançava pela mina dentro.
“ – Para onde vai homem? Que anda aqui a fazer?”
“ – Se vocês entraram eu também posso entrar! Há anos que ando p’ra fazer isto, mas tinha cagaço. Agora já me posso gabar que entrei cá dentro!” – responde-nos cheio de orgulho.
Tínhamos que o acompanhar à boca da mina. Era um perigo, ele estar ali!
Conforme avançamos, vamos vislumbrando muitas silhuetas, todas inclinadas, a olhar lá para dentro.
É espanto contra espanto!
Que faz tanta gente ali?
Olhos penetrantes, incrédulos, olham quem se aproxima, debaixo daqueles fatos de borracha verde.
O homem que mancava mexia-se como se comandasse uma banda de música.
Nós sentíamo-nos como se fossemos almas do outro mundo.
Quando o resto da claridade do dia nos apanha de frente, dez ou quinze pessoas começam a bater palmas.
“- Estão vivos, estão vivos”!
Heróis!
Rezava a lenda que, quem entrasse ali, lá dentro morreria!
Nós voltámos. E, connosco vinha o manco.
De certeza que o homem que mancava se tornou herói local.
Para nós, acabado o trabalho, fomos à procura de novas sensações.
Blog O Serrano

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

No tempo do Volfrâmio parte IV


“-Oh Senhor, aquilo é que era ganhar dinheiro! Para o meu Pai ficar em casa a tratar das jeiras, fui eu para a mina, com 14 anos. Ainda andei lá uns anitos! Depois, lancei-me por conta própria. Tinha um bando de rapazolas a trabalhar para mim. Buraco aqui e acolá, sempre se encontrava, porque havia muito”, -vai-me contando, enquanto endireita ou entorta o boné.
O entusiasmo escorre-lhe pelo rosto. Aqueles olhos habitualmente distantes, parecem adquirir vivacidade, quase brilho, num homem com aquela idade. Parece que uma nova juventude lhe dá forças
Já passou e bem a casa dos oitenta, ouve mal e anda sempre encostado a uma muleta. São medalhas do passado!

Todos os dias o Táxi o vai buscar a casa, por volta da 1 da tarde.
É a sua maneira de mostrar postura perante a vida!
Senta-se à mesa de café, toma o seu cafezinho e procura o jornal. Lê e relê, até o sono tomar conta dele.
Acorda.

Se há parceiros para uma partida de sueca, lá passa umas horas. Se está bom tempo, vem até ao sol, procurar um pouco de conversa. É um autêntico livro aberto, cheio de histórias e de vida. Histórias essas que prometeu contar-me e que passam apara além do Volfrâmio
“ – Cheguei a juntar 500 quilos. O negócio já estava tratado e tudo combinado. Só que o contacto demorou mais que o esperado e acabou a guerra. Pronto, lá se foi a fortuna. O preço veio logo para vinte escudos”, - vai contando.
“ Ladrões? Ui, era o que havia mais. Uma vez, de noite, batem-me à porta. Era um tipo com um saco de minério. Queria que lho comprasse. Disse-lhe que sim mas que aquela hora da noite não dava para ver. Que o deixasse ficar e eu via ao outro dia. Não senhor, não podia ser porque o minério era roubado. Sem ele dar conta, meti a mão no saco e tirei uma pedra. Pronto, está bem, volte então amanhã. Ao outro dia peguei na pedra e vi que era castanha. Não era volfrâmio, era da parte de lá do Marão ( hematite?). Naquela altura, tudo o que tivesse peso…era minério!”
” –Ainda me fui aguentando e quando já estava para desistir, rebentou a Guerra da Coreia. Foi a maluqueira, outra vez! O preço subiu outra vez para 500, 700 e até mil escudos”.
“ Eu governava a vida com o minério que arranjava, com o meu pessoal e com aquele que me vinham vender. Então, ia à Bila ( Vila Real) e deixava-os lá numa Pensão a um rapaz da minha idade. `A patroa não! Ao empregado, que era um rapaz da minha idade e que eu sabia que tinha negócios com os “engaijadores”. O sacana tirava sempre duas ou três pedras de cada saco e fazia sempre a sua maquia, mas dava para todos! Mas, quando acabou, se pobre fui, pobre fiquei… e ele ficou com uma das maiores fortunas da zona”
A nostalgia vem-lhe ao rosto. Começa a notar-se-lhe tristeza na voz e no olhar.
Tenho que o revigorar.
“ – Havia o negócio das “raitadas”! – recupera a alegria - “ Era feito de noite. Punham-se à pesca, de dia, perto da mina. Quando estava noite, convidavam o guarda da mina para comer os peixes e embebedavam-no. Então iam ao depósito do minério e roubavam o minério. Mas tinham que fugir, porque haviam os vigias, que andavam armados e atiravam a matar. Naquele tempo, andava tudo armado. Era fácil ouvir tiroteio, aqui e acolá! A gente até já nem ligava.”- O reviver mentalmente aquelas loucas aventuras, devolveram-lhe entusiasmo. Parecia até tremer, enquanto ia falando. A muleta, no braço direito, parecia uma picareta a desbravar rocha e terra.
Agora desbravava a memória e as saudades do tempo de rapaz.
“ – Mas, quantas vezes conseguiam enganar os vigias e, indo serra fora p’ra esconder o minério e numa encruzilhada, lá estavam eles. Chapéus enterrados até às orelhas, lenços a cobrir os olhos, arma apontada: - passa para cá o minério, ou morres já aqui! - Lá tinham que entregar tudo e voltar para trás. Tanta luta para nada. Os outros, os que andavam a assaltar é que governaram a vida. Sem se molharem ou sujarem ficavam com o minério. Foram esses que ficaram com as grandes fortunas que apareceram no Douro. Não demorou muito tempo, quando começaram a aparecer os carros, que eles se apresentavam com grandes “espadas”, compravam tudo e começaram a aparecer de gravata e charuto! Para esse é que o minério foi bom. Toda a gente lhes tirava o chapéu e os tratava por Senhor .!”

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

1 de Dezembro 2008


HOJE JUSTES ESTÁ ASSIM!
(clique na foto para ampliar)

No tempo do volfrâmio parte III

Começo por referir que, no texto anterior me esqueci de escrever que, misturado ao quartzo esmagado e depois de frito, se juntava um mineral abundante no granito do Nordeste Transmontano, a Turmalina, que aqui é preta, mas que pode ser de outras cores sendo até considerada “pedra semi-preciosa”.
Mas, continuando…
A febre emocional que se gerou na zona, por causa das riquezas que se obtinham com um pedaço de Volfrâmio, levou a que pessoas se deslocassem de Zona, indo para terras até aí quase desconhecidas, mas que dizia-se, havia minério!
Parecia o Far West Americano.
As mulheres tiveram também o seu papel importante nesta saga.
Enquanto os homens trabalhavam nas minas ou até por conta própria, procurando por tudo quanto era serra onde pudesse escavar e procurar o minério, as mulheres descobriram uma outra actividade.
Como disse já, existe um outro Tungsténio, a Scheelite, que era então conhecida por Volfrâmio Branco.
Havia bons depósitos desse mineral.
Havia e ainda há, como se comprovou há uns anos com a descoberta de uma grande jazida (colaborei nesse projecto), que chegou a ser considerado dos mais importantes da Europa, mas que, depois de investigado até aos 80 metros de profundidade, através de sondagens, foi abandonado. O preço do minério não compensava a exploração. Está lá, não azeda.
Na margem esquerda do Rio Douro, no topo do monte foi encontrado um filão de Scheelite. Os homens escavavam a céu aberto de modo a pôr a descoberto a rocha, para posterior desmonte.
Cá em baixo, na aldeia corria um regato, para onde as mulheres costumavam ir lavar roupa.
Num ápice tudo mudou. Elas, logo pela manhã, carregavam o cesto de verga, onde levavam os filhos ainda pequenos e um alguidar de alunínio!
Tinham aprendido a lavar a terra que iam extraindo do regato ou da margem que ficava por baixo dos trabalhos mineiros. O declive do monte e a chuva iam transportando pedacinhos de minério.
Já com “arte”, mergulhavam o alguidar cheio de terra e iam esfregando. Rodavam o alguidar com cuidado e a água ia levando a argila já solta. Passado um tempo, depois de muito repetirem esta operação, lá estava, no fundo o tal pó branco. Metiam-no em saquinhas e levavam para casa. À noite, poderiam dizer aos maridos:
“ Olha, consegui arranjar uns saquinhos de pó. Quando tivermos mais uns poucos temos que falar com o “engaijador” para o vender”
Entretanto, ia escondendo os saquinhos num buraco de parede, porque o comercio de minério estava vedado a particulares.
Mas esta actividade de garimpeira, não era pacífica. Às vezes, quando chegavam ao local de lavagem e que já consideravam de sua propriedade, esta já estava ocupado por outra mulher.
Pousavam o que levavam e:
“- Desanda-me já daí, que esse lugar é meu. Pira-te sua ladra desavergonhada!”.
A outra, ou lhe fazia frente ou tinha que ir procurar outro lugar! E, debaixo do avental, metido numa sacola presa à cinta, estava um pistolão. O primeiro tiro, sempre poderia acertar, porque eram armas de carregar pela boca! Eram autênticas mulheres de barba rija ou pêlo na benta, como eram apelidadas.
Entretanto, ia-se desenrolando uma tragédia silenciosa. As mães, quando iam para os regatos lavar o minério e se tinham filhos pequenos, ou os levavam dentro de cestos de verga ou os deixavam em casa a dormir.
Debatiam-se com um problema: as crianças tinham que dormir o máximo de tempo possível, para elas poderem labutar o mais possível!
Embebedavam as crianças!
Se tinham leite materno para as alimentar, depois davam-lhes umas colheres de chá, de vinho. Se não tinham e precisavam de leite de cabra, faziam o mesmo tipo de mistura. Até aguardente chegavam a misturar no alimento que lhes davam!
Triste miséria humana. Ignorância desumana
Esta situação continuou por muitos anos. Quem foi ou ainda é Professor, se lembrará de crianças que chegavam à escola pela manhã, a cheirar a vinho. O álcool já fazia parte dos seus hábitos alimentares desde bebé!
Esta história, foi-me contada por uma simpática velhinha, já há muitos anos, no regato onde ela própria correu a tiro uma outra mulher, de uma aldeia vizinha, que para ali tinha vindo lavar o minério branco!
“ – Ai senhor, - dizia-me entre lágrimas -. Aquilo é que era tempo de fome e miséria! Mas era nova, cheia de força. Agora, estou pr’aqui uma velha, à espera que o Senhor Deus me leve…”
Texto retirado do blog O serrano