EURICO FIGUEIREDO (1939 - 2025)

 

Antifascistas da Resistência

2 de abril de 2016

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EURICO FIGUEIREDO (1939 - 2025)

 

Carismático dirigente estudantil, expulso da Universidade de Lisboa na crise académica de 1962, sofreu a repressão fascista e o exílio, como consequência da sua intervenção política nas lutas contra a ditadura. Militante do PCP desde os 18 anos, abandona este partido em 1968, no dia em que as tropas da URSS entraram na Checoslováquia, em protesto contra este facto. Só após o 25 de Abril pôde regressar do exílio na Suíça. Desde então, nunca deixou de ter actividade política, quer como deputado do PS, quer como cidadão independente.

Ex-Director do Serviço de Psiquiatria do Hospital Magalhães Lemos no Porto, actualmente é Professor Catedrático de Psiquiatria da Universidade do Porto, aposentado.

1. Eurico José Palheiro de Carvalho Figueiredo nasceu em Vila Real, em 1939, filho de um conhecido médico democrata, Otílio Figueiredo e uma professora do Ensino primário, Maria Estela Palheiro Fontes. Casou em 1962, com Berta Fernandes, também activista estudantil, e teve três filhos. Faleceu em 26 de Dezembro de 2025.

Apenas com 16 anos, iniciou a sua actividade política no MUD Juvenil e, aos 18 anos, participou activamente na campanha do General Humberto Delgado. Depois, em 1961, foi um dos 400 signatários do pedido de demissão de Salazar.

Era Presidente da Comissão Pró-Associação dos Estudantes de Medicina de Lisboa, quando se destacou na crise académica de 1962. Foi então um dos mais populares dirigentes, com papel de relevo nas greves da Universidade de Lisboa. A 9 de Maio, os estudantes reuniram em plenário (milhares de alunos universitários e alguns alunos dos liceus), e aprovaram o «luto académico total», com greve às aulas, frequências e exames finais, e ainda o início imediato de uma greve de fome na Cantina da Cidade Universitária. Eurico Figueiredo tem nestas acções um papel de grande liderança e é um dos universitários que entram em «greve de fome» (1). É eleito para Secretário-Geral da RIA, órgão dirigente do movimento estudantil em Lisboa, mas não chega a tomar posse porque é expulso da Universidade de Lisboa, por trinta meses.

Transfere-se com a família para Coimbra, onde irá prosseguir os estudos em Medicina.

Em Março de 1962, apesar de proibido pelas autoridades, realiza-se em Coimbra o I Encontro Nacional de Estudantes, é fundado o Secretariado Nacional dos Estudantes Portugueses (SNEP), com funções de dinamização e coordenação do Movimento Estudantil Português, e Eurico Figueiredo é eleito (o primeiro) Secretário-Geral. É preso em 28 Maio de 1962 e levado para o Aljube ( motivando manifestações de apoio, ferozmente reprimidas). Em 1963 foi um dos fundadores do movimento clandestino “Movimento Sindical Estudantil” - que coordenou, durante anos, a actividade estudantil anti – fascista - e foi um dos seus dirigentes.

De 1963 a 1965 (até à partida para o exílio), integrou a Comissão Executiva Nacional (no interior) da Frente Patriótica de Libertação Nacional.

 

Depois de ter sido detido pela PIDE, por três vezes, Eurico Figueiredo viu - se realmente obrigado a exilar-se e, em 1965, parte com a família para a Suíça, onde viveu até 1976.

Já no exílio, em 1965, enquanto estudante, é eleito pelos representantes das associações e núcleos de estudantes portugueses no estrangeiro, como Secretário-Geral do primeiro Secretariado Nacional dos Estudantes Portugueses no Estrangeiro, funções que exerce até 1967. Na Suíça, desenvolve uma intensa actividade política em ligação com Portugal (entre outros com Jorge Sampaio); e com Argel, sobretudo com Manuel Alegre e Fernando Piteira Santos.

2. Após a Revolução do 25 de Abril, adere ao Partido Socialista (Agosto de 1974). Foi membro, por diversas vezes, da Direcção Nacional e Política deste partido, que chegou a abandonar em 1999, em discordância com a orientação de António Guterres. Regressou mais tarde pela mão de Almeida Santos.

De 1983 a 1985 e de 1991 até 1999, desempenhou funções como deputado, entre outras: na Assembleia da NATO, como Presidente da Comissão da Administração do Território, Poder Local, Equipamento Social e Ambiente.

Distinguiu-se no combate à Lei de Segurança Interna.

Foi presidente do Conselho Científico da Associação Cívica anti- proibicionista “SOMA”, que teve um papel relevante no tornar incontornável o debate sobre políticas alternativas ao proibicionismo, no tratamento de toxicodependências. [Esta associação participou, durante o primeiro governo de António Guterres, na elaboração da legislação sobre toxicodependência, que se mantém em vigor]. Animou o movimento cívico “Tribunal da Água” (93-94), que teve como objectivo combater o Plano Hidrológico Espanhol. Foi o primeiro português a solicitar a suspensão da barragem de Foz - Côa e conduziu todo o processo político que esteve na base dessa decisão, visando a preservação das gravuras, agora património mundial. Autor do relatório da Assembleia da República sobre a regionalização (1997), foi também o principal animador do movimento regionalista “Portugal Plural”, que se evidenciou no debate que precedeu o referendo. Durante o processo de regionalização distinguiu-se ainda na defesa da identidade Trasmontana e da integridade do Douro.

Tem - se preocupado sobretudo com a problemática da protecção do ambiente e do património, dando particular atenção ao tema dos rios internacionais de Portugal.

3. Percurso profissional

Em 1967 termina a licenciatura em Medicina pela Universidade de Lausana. De 1968 a 1976 é Assistente da cadeira de Psiquiatria na Faculdade de Medicina de Genebra. Em 1976 obteve o título de Especialista em Psiquiatria e Psicoterapia pela Universidade de Genebra.

É doutorado pela Universidade de Genebra em 1976, com a tese “Les episodes Schizophreniques aigus e les Unités de Jour. Essai sur l’utilisation d’un traitement original: La tritherapie”. A tese e a defesa obtiveram a nota máxima (Excelente) e o doutoramento foi equiparado ao Grau de Doutor em Medicina pelas Universidades Portuguesas.

Em 1982, efectuou provas de Agregação em Psiquiatria e Psicoterapia Médica na Universidade do Porto, (aprovado por unanimidade), e a lição de síntese teve por título “Maternidade e Ansiedade”. Concorreu, com sucesso, para o provimento do lugar de Professor Catedrático de Psiquiatria e Saúde Mental do Instituto de Ciências Biomédicas de Abel Salazar em 1985, sendo contratado a título definitivo em 1987.

Em 1988/89 passou um ano sabático nos EUA no Mental Research Institute, (MRI) de Palo Alto, aprofundando técnicas de intervenção sistémica no quadro do casal e família.

De 1976 a 78 esteve ligado ao ensino da cadeira de Psiquiatria na Faculdade de Medicina do Porto.

De 1977 a 1992 teve ao seu cargo a regência das seguintes cadeiras:

a) No Curso Superior de Psicologia da Universidade do Porto: Inserção da Psicologia nas Ciências Humanas (1977); Psicopatologia Geral e Especial (1977-79); Seminário de Grupos em Saúde Mental (1979-80); Saúde Mental (1979-80).

b) No Instituto de Ciências Biomédicas de Abel Salazar: Psicologia Básica (1978-81); Psicologia Médica (1979-85); Psiquiatria (1980-92).

De 1993 a 2000, leccionou no Instituto Superior de Psicologia Aplicada (ISPA-Lisboa), no mestrado de Psicopatologia e Psicologia Clinica, Psicopatologia e Estruturas Familiares e Seminário de Dissertação. Desde 1995, na licenciatura de Psicologia do mesmo Instituto, lecionou o Seminário de Monografias; e, desde 1996, Temas Avançados de Saúde Mental.

Desde 1995 (como professor do ISPA) até 1999, participou nos mestrados de Psicologia Clinica da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA) em Porto Alegre e posteriormente, a título pessoal, em Manaus.

No ano de 1967-68 teve funções clinicas de Assistente nos Serviços de Neurologia da Fac. de Medicina da Universidade de Genebra; de 68 a 71 as mesmas funções nos Serviços de Psiquiatria; em 1971, Chefe de Clinica Adjunto e Chefe de Equipa do Centro de Tratamento de Dia de Carouge; em 72 passa a Chefe de Clinica e em 74, até 76, a Primeiro Chefe de Clinica também com a chefia dum segundo Centro Terapêutico de Dia (Juntion) e dos Serviços Ambulatórios de Urgência.

Em Portugal, em 1978, vence o concurso para Chefe de Clínica no Centro de Saúde Mental Ocidental do Porto (com19,2 valores), tendo assumido a organização do Centro de Prevenção e Crise, depois do Serviço de Psiquiatria Ambulatória do Porto; finalmente, com a sectorização deste Centro de Saúde Mental, foi Director do Serviço de Psiquiatria Porto de 1985 a 1991 e do Serviço de Ligação no Hospital de S. António de 2000 a 2005, altura em que se reformou. De 2000 até esta data. é Professor Catedrático no ISMT em Coimbra.

Efectuou uma vasta formação em psicoterapia (analítica individual, de grupo e institucional, em relaxação, psicodrama, terapias comportamentais, da família e do casal) e exerce actividades clinicas e de formação nesta área sendo Membro Didacta das Sociedades Portuguesas de Psicanálise e Psicodrama.

4. Desempenhou cargos institucionais, tendo sido, entre outros:

- Nomeado (1977-79) vogal da Comissão Instaladora do Curso Superior de Psicologia do Porto, Universidade do Porto.

- Eleito Director de Internato do Centro de Saúde Mental Ocidental do Porto (1981-85).

- Eleito Presidente do Conselho Directivo do Instituto de Ciências Biomédicas de Abel Salazar (1983-84).

- Eleito Director do Centro de Saúde Mental Ocidental do Porto (1985-88).

Em 1998 foi agraciado com a Grã Cruz da Ordem da Liberdade.

No mesmo ano recebeu o Prémio Internacional da Federação Internacional das Organizações de Arte Rupestre, pelo papel que teve na condução do processo político que conduziu à salvaguarda das gravuras de Foz-Coa.

5. Efectuou largas dezenas de comunicações, conferências e palestras na sua área académica, animou mesas redondas e organizou encontros, simpósios e ciclos de conferências, tendo presidido, entre outros: ao Primeiro Encontro Internacional Família e Saúde Mental (1981), ao Encontro Internacional Psicologia e Cultura(1981), Primórdios da Comunicação Humana(1983), Primeiro Congresso Português de Adolescência e Saúde Mental (1985).

Publicou dezenas de artigos em Português, Francês, Inglês e Espanhol (ver nota 2).

Publicou os seguintes livros:

-O Chapéu Reclame de Cigarros. Contribuição para uma psicoterapia institucional. Porto, Ed Afrontamento,1977

-No Reino de Xantum. Conflito de Gerações e Adolescência. Porto, Ed Afrontamento,1985

-Psicanálise da Saudade. Lisboa, Ed O Jornal,1991

-Conflito de Gerações, Conflito de Valores. Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian,1988.

-Angústia Ecológica e Futuro. Lisboa, Ed Gradiva,1993

-Valores e Gerações, Anos 80, Anos 90, Lisboa, Ed. ISPA, 2000

É autor da brochura “Caminhos de Caminha” (Câmara Municipal de Caminha, 1997), sobre percursos pedestres neste concelho, orientados para a valorização do património.

No plano literário publicou:

- “Guerrilheiro Sentimental, Estórias de Exílio”, Porto, Ed. Campo de Letras.2009

- “ A Agave só floresce uma vez”, Lisboa, Ed. Gradiva,2011

- “Pátria Utópica” em co-autoria, Lisboa, Ed. Bizâncio, 2011

-Rio da Amargura, Lisboa, Ed. Bizâncio, 2012

Tem tido intervenção na área jornalística (ora episódica, ora regular), com artigos de opinião.

Colaborou mensalmente na revista do Jornal, em 1987; semanalmente, com artigos de opinião no Jornal de Noticias, em 1988-89; na revista Sábado, em 1992; no Expresso de 1993 a 1995; quinzenalmente, no Público, em 1997 e 1998.

NOTAS

(1) Pouco depois das três da manhã, na presença do comandante-geral e do chefe de estado-maior da PSP, é dada ordem de prisão a 1200 estudantes (90 raparigas), sendo levados em autocarros da Carris, elas para o Governo Civil de Lisboa, eles para o quartel da polícia da Parede. Eurico de Figueiredo é um dos 70 que ficarão detidos vários dias no quartel da Parede. Em Coimbra a situação é também de conflito na Universidade e com o Ministério da Educação. A vaga repressiva motiva a solidariedade da intelectualidade oposicionista. Uma declaração de apoio aos estudantes é subscrita por setenta escritores, entre os quais Aquilino Ribeiro, Baptista-Bastos, Abelaira, Namora, Ilse Losa, Francisco Sousa Tavares, Cardoso Pires, Saramago, Sophia de Mello Breyner, Urbano Tavares Rodrigues. O luto académico faz títulos no Herald Tribune, Le Monde, L’Express, Figaro, Daily Telegraph.

 

(2) Traitement des episodes schizophreniques aigus par un groupe de trois terapeutes dans le Centre de Traitement de Jour de Carouge.

Les Feullets Psychiatriques de Liège,11/3,261-314,1978

-Contribution à la Psychotherapie analytique institutionnelle en unité de jour.

Les Feullets Psychiatriques de Liége,15/1,30-46,1982

-Ansiedade e regiões do corpo

Psiquiatria Clínica,1,55-63,1980

-Massages e Schizophrénie

Revue .de Médecine psychossomatique e psychologie médicale

22,3,313-321,1980

-Conflito Adolescentes -Progenitores e Autonomia

Análise Psicológica,1 (IV), 41-54, 1983

-Le complexe de Laios e Jocaste dans l’”Amor de Perdição”

Revue Française de Psychanalise,4,805-816,1981

-Conflito de Gerações e Família na Tragédia Grega

Nova Renascença,IV,75-93,1984

-Sexualité,mariage , famille,les valeurs et les generations

Annales Médico Psychologiques,148,9,759-764,1990

-The threat of unemployment and work accidents

Acta Psiquiátrica Portuguesa,1,23-30,1981

-Screaming and Wesping in children within the age groups of 6,9,12,15,and 18 months

Acta Psiquiátrica Portuguesa,V,31,1,17-26,1985

-Contribution à la pathogenie et au traitment des episodes schizophreniques du post-partum

Annales Médico-Psychologiques,3,461-470,1977

-Repercussões no parto das consequências emocionais do terramoto dos Açores do primeiro de Janeiro de 1980

“O Médico”,1603,103,717-722,1982

-Maternité et Anxieté.Contribution a la Prevention.

In Jeunes Parents Psychotiques et leurs Enfants,Garrone G.,Jablenssky A., Manzano J,.

Biologie & Psycologie, SIMEP S.A. 1986

-Com Augusto A. & all, Post-natal depression in na urban area of Portugal

Psychological Medicine,26,15-141,1996

 

-Com Areias,ME & all ,Comparative incidence of depression in women and men,during pregnency and after childbirth

The British Journal of Psychiatry,169,30-35,1996

e Correlates of Postnatal Depression in Mothers and Fathers

The British Journal of Psychiatry, 169, 36-41, 1996

 

Biografia da autoria de Helena Pato, com a colaboração de Eurico Figueiredo

 

Helena Pato

2/04/2016