Quelha dos Correias
JUSTES A nossa herança cultural também é formada por malhas de afectos que nos ligam aos sítios e às pessoas, definindo e justificando cada vez melhor as viagens que oscilam entre passado e futuro. Referências, laços, percursos e registos que só são valorizados pelos que partilham essa herança.
sexta-feira, 25 de setembro de 2009
domingo, 20 de setembro de 2009
sábado, 19 de setembro de 2009
O auto-retrato
Numa sala de jantar organizada segundo a tradição, onde tudo deveria estar no sitio certo, reinava o silêncio modorrento de uma tarde soalheira, matizada pelos tons quentes da decoração, mistura cromática queirosiana, feita de cortinas e tapetes, com os raios de luz projectados através das janelas que davam para o jardim da entrada.
Eu, de franja, duas trancinhas, e de soquetes, pela mão do meu pai, aguardávamos o senhor doutor.
Aguardávamos em silêncio, pois estávamos numa casa de saúde, onde o barulho não era permitido, e todos caminhavam com pés de veludo. O silêncio era enriquecido pela localização dessa grande casa, mistura de casa de quinta e clínica, na periferia da cidade de Vila Real do inicio da década de 60. O barulho urbano mais persistente que eventualmente chegava até lá, seria resultante do motor de algum carro de aluguer, conhecido como carro de praça, que transportando alguém carente de cuidados médicos, percorria o estreito caminho de acesso e finalmente estacionava no jardim, dando seguimento à sinfonia do silêncio reinante, que se estendia até ao rio Corgo.
Ouvia-se o nosso respirar recortado de forma regular pelo pêndulo obediente do relógio de sala. O tic, tac, tic, tac, tic... ia embalando a minha consciência, desconfigurando o tempo, deformando a noção dos minutos que passavam, mas oferecendo-me um grande aconchego que perdurou até hoje na minha memória.
Antes de conhecer o Dr. Otílio, foi-me apresentado o seu auto-retrato, localizado numa das paredes dessa sala, entre aparadores e vitrines. Com três anos de idade, achei o auto-retrato, quase à escala natural, uma pintura gigante. A figura do médico, de bata branca, acompanhada pelos inseparáveis, bigode e cabeleira indomáveis, era maior do que todas as gravuras que eu tinha conhecido durante a minha curta existência. Aproximei-me, pus a minha mão de petiza, admirei cada pormenor. Achei o doutor simpático, mas escondi a minha chupeta cor-de-rosa, como medida de precaução - diziam-me que os senhores de bigode não gostavam de chupetas, na esperança de eu ir largando esse vício infantil. Continuei a observar a tela, as pinceladas, as texturas, .... mas eu tinha que olhar para cima, e não chegava com a mão ao seu rosto.
O meu pai pegou-me ao colo.
Dei-lhe a chupeta para guardar no bolso, pois achava que seria mais seguro, ser o meu pai a guardar tão preciosa dependência, já que ao colo estaria ao nível dos bigodes do doutor - não fosse acontecer alguma surpresa com esse pedaço de parede que tinha bigodes e que era tão semelhante à realidade.
Tic, tac,... tic, tac,...tic,...
Eu, de franja, duas trancinhas, e de soquetes, pela mão do meu pai, aguardávamos o senhor doutor.
Aguardávamos em silêncio, pois estávamos numa casa de saúde, onde o barulho não era permitido, e todos caminhavam com pés de veludo. O silêncio era enriquecido pela localização dessa grande casa, mistura de casa de quinta e clínica, na periferia da cidade de Vila Real do inicio da década de 60. O barulho urbano mais persistente que eventualmente chegava até lá, seria resultante do motor de algum carro de aluguer, conhecido como carro de praça, que transportando alguém carente de cuidados médicos, percorria o estreito caminho de acesso e finalmente estacionava no jardim, dando seguimento à sinfonia do silêncio reinante, que se estendia até ao rio Corgo.
Ouvia-se o nosso respirar recortado de forma regular pelo pêndulo obediente do relógio de sala. O tic, tac, tic, tac, tic... ia embalando a minha consciência, desconfigurando o tempo, deformando a noção dos minutos que passavam, mas oferecendo-me um grande aconchego que perdurou até hoje na minha memória.
Antes de conhecer o Dr. Otílio, foi-me apresentado o seu auto-retrato, localizado numa das paredes dessa sala, entre aparadores e vitrines. Com três anos de idade, achei o auto-retrato, quase à escala natural, uma pintura gigante. A figura do médico, de bata branca, acompanhada pelos inseparáveis, bigode e cabeleira indomáveis, era maior do que todas as gravuras que eu tinha conhecido durante a minha curta existência. Aproximei-me, pus a minha mão de petiza, admirei cada pormenor. Achei o doutor simpático, mas escondi a minha chupeta cor-de-rosa, como medida de precaução - diziam-me que os senhores de bigode não gostavam de chupetas, na esperança de eu ir largando esse vício infantil. Continuei a observar a tela, as pinceladas, as texturas, .... mas eu tinha que olhar para cima, e não chegava com a mão ao seu rosto.
O meu pai pegou-me ao colo.
Dei-lhe a chupeta para guardar no bolso, pois achava que seria mais seguro, ser o meu pai a guardar tão preciosa dependência, já que ao colo estaria ao nível dos bigodes do doutor - não fosse acontecer alguma surpresa com esse pedaço de parede que tinha bigodes e que era tão semelhante à realidade.
Tic, tac,... tic, tac,...tic,...
- Não mexas no retrato! O senhor doutor foi quem pintou o seu próprio retrato, disse o meu pai. Ele pinta muito bem, podes olhar, mas não deves por as mãos.
- Mas ele é médico, trata os dói-dóis!? surpreendi-me, não conseguindo conciliar no meu raciocínio infantil, estetoscópios, pincéis e tintas. A bata branca deveria útil para alguma coisa - eu via as minhas irmãs a usar bata no colégio, mas isso seria uns meses mais tarde. Porque que é que ele usaria a bata branca? Como é que ele pintava e olhava para ele mesmo? Ignorava os truques dos adultos na reflexão das imagens de um espelho. O meu pensamento tinha dificuldade em gerir toda esta informação com a preguiça e sonolência inconscientemente resultante da combinação infalível do calor, o compasso do tempo emitido pelo relógio de sala, e o colo confortável do meu pai.
Talvez tenha adormecido, ou a memória engoliu o tempo e as imagens da restante espera, misturando-os com outras esperas na mesma sala, ocorridas noutros dias e com outros propósitos. Não sei...
- O Otílio já vem aí? Então, pequenita queres um rebuçado? - perguntava-me uma simpática senhora de cabelo armado e bem penteado, que sorria para mim, e que tinha ido avisá-lo da nossa presença.
- Não obrigado, ela não quer. – agradeceu o meu pai.
- Quero, quero pois! - opús eu, manifestando uma total ausência de cerimónia perante estes familiares que acabava de conhecer, deixando o meu pai desarmado, perante essa desobediência descarada.
Passaram-me os rebuçados.
- Agradece. Diz: obrigada prima Estela. – ensinou-me o meu pai.
Entretanto uma figura quase silenciosa assomou à ombreira da porta de mãos cruzadas atrás das costas. Os meus olhos curiosos fixaram-se imediatamente nos seus bigodes. Sob estes emergia um sorriso afável, franco e quase do tamanho do mundo. Os seus cabelos eram revoltos mas belos.
- Mas ele é médico, trata os dói-dóis!? surpreendi-me, não conseguindo conciliar no meu raciocínio infantil, estetoscópios, pincéis e tintas. A bata branca deveria útil para alguma coisa - eu via as minhas irmãs a usar bata no colégio, mas isso seria uns meses mais tarde. Porque que é que ele usaria a bata branca? Como é que ele pintava e olhava para ele mesmo? Ignorava os truques dos adultos na reflexão das imagens de um espelho. O meu pensamento tinha dificuldade em gerir toda esta informação com a preguiça e sonolência inconscientemente resultante da combinação infalível do calor, o compasso do tempo emitido pelo relógio de sala, e o colo confortável do meu pai.
Talvez tenha adormecido, ou a memória engoliu o tempo e as imagens da restante espera, misturando-os com outras esperas na mesma sala, ocorridas noutros dias e com outros propósitos. Não sei...
- O Otílio já vem aí? Então, pequenita queres um rebuçado? - perguntava-me uma simpática senhora de cabelo armado e bem penteado, que sorria para mim, e que tinha ido avisá-lo da nossa presença.
- Não obrigado, ela não quer. – agradeceu o meu pai.
- Quero, quero pois! - opús eu, manifestando uma total ausência de cerimónia perante estes familiares que acabava de conhecer, deixando o meu pai desarmado, perante essa desobediência descarada.
Passaram-me os rebuçados.
- Agradece. Diz: obrigada prima Estela. – ensinou-me o meu pai.
Entretanto uma figura quase silenciosa assomou à ombreira da porta de mãos cruzadas atrás das costas. Os meus olhos curiosos fixaram-se imediatamente nos seus bigodes. Sob estes emergia um sorriso afável, franco e quase do tamanho do mundo. Os seus cabelos eram revoltos mas belos.
- Como vais Jacinto?
Abraçaram-se os dois, num abraço de reencontro de dois continentes, feito de algumas cumplicidades, que se repetiu muitas outras vezes, encerrando histórias antigas, vivências comuns, ideais de liberdade partilhados e outros assuntos, nessa época, vedados ao mundo das crianças.
(...)
In ”Ensaios de escrita: um projecto sempre adiado”, Anabela Quelhas
domingo, 13 de setembro de 2009
Homenagem a Dr. Otílio Figueiredo
Dr Otílo Figueiredo vai ser homenageado dia 17 de Setembro de 2009 em Vila Real - Rua da Misericórdia e Grémio Literário.
Otílio de Carvalho [Dr.]- (19.Ago.1909-05.Set.1988).
Médico (lic. 07.Nov.1935) estilo João Semana, escritor, pintor, músico. No final da vida (a partir de Nov.1984) tornou-se editor-livreiro.
Cidadão exemplar e interveniente, e pessoa muito estimada, tendo desenvolvido várias campanhas de promoção cultural e educação sanitária do povo, em Justes, onde casou e exerceu medicina durante algum tempo.
Grande opositor do Estado Novo, foi demitido do cargo de médico municipal em 08.Jun.1949, por motivos políticos.
Na juventude pertenceu ao Grupo de Adueiros nº 24, de inspiração republicana, tendo sido nomeado adail.
Em Mar.1929 publica, com letra de Santos Carneiro, o tango “Quem te disse?” Fundou e dirigiu a Casa de Saúde de Vila Real, mais tarde designada Clínica do Prof. Doutor Bissaya Barreto.
Obra literária principal: O ABC das mães (divulgação científica); Os cem anos da Avó Ricardina; Ressuscitemos os cravos vermelhos; O Cabo Mingas; e A praga dos gafanhotos (romances); Gente Simples; Canhenho dum Médico (1ª parte) e Canhenho dum Médico (2ª parte) - Histórias deste mundo e do outro (contos); Era uma vez!... (literatura infantil); Interlúdio (odes); Pórtico [Vila Real]; Homenagem ao Marechal Costa Gomes (opúsculos). Bibl.: Ficha nº 18-A do Ciclo História ao Café.
sexta-feira, 11 de setembro de 2009
quarta-feira, 9 de setembro de 2009
segunda-feira, 7 de setembro de 2009
Casa da família Guerra
Esta casa talvez tenha sido a habitação que alojou mais pessoas na década de 70, em consequência da descolonização de Angola. Em 1975 viviam aqui cerca de 19 pessoas. Hoje está vazia.
sábado, 5 de setembro de 2009
A TOSCA
"A Tosca"
Peça de teatro apresentada em 1952 (aprox) por actores amadores nascidos em Justes, que faziam do teatro a ocupação de alguns dos seus tempos livres.
A Tosca é inspirada na obra de Victorien Sardou, escrita especialmente para a mundialmente famosa Sarah Bernard Bernhardt e representada por esta em 1895 em Florença, levando o compositor Giacomo Puccini a musicá-la.
A Tosca é um exemplo perfeito da habilidade de Sardou em construir uma peça de alta teatralidade de grande efeito dramático.
A Tosca é um exemplo perfeito da habilidade de Sardou em construir uma peça de alta teatralidade de grande efeito dramático.
Actores:
Alvim Monteiro
Fernandina Correia
Gilda Torres
Manuel Rodrigues
....( a completar)
Ensaiadores:
Manuel Conde e Fernando Carvalho
................................................
..................................
Victorien Sardou (Paris, 5 de Setembro de 1831 - Paris,8 de Novembro de 1908), foi um escritor dramático francês, muito conhecido pelas suas comédias, boa parte delas traduzidas para português, constituindo parte frequente do reportório do teatro amador.
terça-feira, 1 de setembro de 2009
Subscrever:
Mensagens (Atom)