sexta-feira, 12 de julho de 2019

JACINTO QUELHAS - centenário

JACINTO ALVES DE ALMEIDA QUELHAS
Filho de António Correia Quelhas
Felisbela da Conceição Palheiros

Natural de Lamares; lugar de Justes.
Data de nascimento 12|07|1919
Data do óbito: 11|05!1992

Lavrador, explorador de volframite e mestre de obras de construção civil.
Divide a sua vida entre Justes, Vila Real e Luanda.
Com grande experiência na construção civil e na iprodução industrial de vigas de pré-esforçado, assumiu o desafio de projectar a igreja "nova" de Justes em 1961.
Membro da Comissão Fabriqueira da Capela de Sta Maria Madalena e da  Direcção da Associação de Bombeiros Voluntários de Justes.
Honesto, justo, solidário e altruista são caracteristicas que definem o seu perfil de cidadão.
(centenário do seu nascimento)



PLACA DE HOMENAGEM NO SEU CENTENÁRIO, AFIXADA NA FACHADA PRINCIPAL DA IGREJA DE SANTA MARIA MADALENA.

DISCURSO
Homenagem a Jacinto Quelhas

            Estamos aqui hoje para homenagear, Jacinto Alves de Almeida Quelhas. Esta homenagem pontua o seu centenário.
            Nasceu a 12 de Julho de 1919.
            O nosso pai Jacinto, Quelhas para os amigos, teve origem humilde mas de excelência e foi educado dentro dos valores do humanismo. 
            Passou rapidamente da infância para o estado de adulto precoce, já que ficou sem pai aos doze anos de idade, tendo que assumir-se quase como chefe de família, inicialmente orientado pela sua mãe Felisbela Palheiros, impedindo-o de continuar a estudar como estaria nos planos da família.
            Foi um homem bonito por dentro e por fora, em novo e em velho, fazendo parte da geração que viveu os constrangimentos da 2ª Guerra Mundial e nunca esqueceu as suas origens humildes, que esperam por boas colheitas e investem o suor e as lágrimas para adubar as terras.
            Foi lavrador, mineiro, pedreiro, mestre-de-obras e empresário fabril. Teve alguns sucessos na vida e alguns insucessos como toda a gente, seguindo sempre os seus princípios e valores.
            No após guerra teve a coragem de deixar a mulher e duas filhas para procurar nova forma de vida para sustentar a família. Migrou para uma província ultramarina, Angola, mais concretamente para a cidade de Luanda. Permaneceu lá de forma descontínuada até Junho de 1974. 
            A responsabilidade, a honestidade, a solidariedade e a lucidez foram as suas facetas mais acentuadas adquiridas ao longo da vida, com conhecimentos resultantes de uma postura quase auto-didacta, amiga do saber, informando-se através da leitura, e esta foi a grande herança que nos deixou – o seu exemplo de vida. Sempre considerou o seu ponto de partida, as suas origens aqui nesta aldeia de Justes, onde quase todos trabalhavam no campo produzindo aquilo que consumiam, extraindo da natureza o seu magro sustento.
            Nunca expôs a sua família aos perigos da guerra colonial e conhecendo de forma realista o que se vivia nesse território, o seu sonho angolano foi sempre um sonho condicionado, pois era um individuo consciente dos dramas sociais, das suas origens e da sua identidade.
            Foi católico, nem sempre praticante, no significado vulgar que se dá a esta denominação. Não praticava todos os rituais da Igreja, visto que estes foram criados pelos homens e não por Deus. Cumpria os dez mandamentos da lei de Deus e respeitava sobretudo o seu semelhante. Cumpria, não por temer Deus, mas por ser essa a sua condição de Homem, tolerante e bem formado. Era um cidadão, solidário, sempre disponível para ajudar, respeitar e compreender o outro, um homem activo, que fazia acontecer sem esperar pelos outros, tinha sentido crítico sobre o que se passava à sua volta, e era um homem discreto, qualidades que fizeram dele sem dúvida um cristão, católico de baptismo e de ensinamentos. Falhava ao ritual da missa e da comunhão, mas nunca falhou ao ritual da despedida, como supremo dever de acompanhar os mortos à última morada.
            Foi certamente um pecador como todos nós, um ser imperfeito mas com muitas qualidades. Foi um “construtor” em permanência, sempre tinha algo para fazer, um projecto em curso, que animava cada um dos seus dias. Foi um entusiasta das máquinas e das tecnologias que amaciavam a vida dos homens e das mulheres, reduzindo o trabalho braçal dos camponeses e dos operários.
            Ele conhecia bem a vida rude e difícil dos transmontanos.
            Quando eu disse que foi um lavrador, não foi por acaso. Ele não foi um agricultor, ele foi um lavrador de arado a rasgar a terra.
            Nunca recusava a ajuda a ninguém, por vezes até a pessoas que não a mereceram. Cuidou sempre da sua mãe, dos seus irmãos, das suas filhas e até aceitou sem hesitações, ser tutor de duas meninas órfãs, quando um drama da vida lhes tocou à porta.
            Teve só uma única companheira, toda a sua vida, a nossa mãe, que estimou, cuidou e amou sempre. Adorava os seus quatro netos e sempre que eu referia que um deles era tão giro quando bébé, dizia-me sempre: “Nos nossos filhos e netos, todas as idades são bonitas. “
            Fez muitas obras na sua vida profissional.
            Quando eu tinha 4 ou 5 anos, vi pela primeira vez um projecto de arquitectura que era esta igreja e percebi muito espantada, numa atitude muito curiosa e de pequena aprendente, as voltas que aquilo dava para se fazer esse trabalho. Tinha que subir a uma cadeira para ver os desenhos onde estava proibida de tocar. As horas gastas até ao apuramento final foram muitas. A nossa mesa da sala estava sempre cheia de papelada, réguas e esquadros, e o meu pai e as minhas irmãs, especialmente a mais velha, ajudava-o no rigor do desenho.
            Tudo foi desenhado consoante a sua imaginação, considerando algumas indicações de outras pessoas, atendendo às igrejas que já tinha visto noutras paragens, e à sua experiência na arte de bem construir. Tudo foi projectado com a sua orientação. E este grande arco ogival que não é de fácil execução, é a evidência da qualidade do seu trabalho.
            Poderei dizer que esta igreja nasceu na nossa casa. Evidentemente, que muitas foram as pessoas que contribuíram para a concretização deste projecto colectivo de uma comunidade inteira, mas de facto esta igreja nasceu pelas suas mãos e pelo depuramento assertivo dos seus conhecimentos e imaginação. Já teve reparações, obras de beneficiação, o interior já foi de mármore, agora é de madeira e futuramente terá outro revestimento qualquer, segundo o gosto das futuras gerações, mas a matriz manter-se-á por séculos.
            Ao fazer 100 anos sobre o seu nascimento, achei justo e oportuno, que isso ficasse registado para memória futura desta comunidade, através de uma placa, em que as novas tecnologias nos permitirão consultar toda a informação disponível, e nos permitirão actualizar sempre com novos dados e informações a esse respeito e que enriquecerão a nossa identidade e o nosso património.
            Em meu nome e das minhas duas irmãs Lina e Maria Ermelinda, agradecemos ao Senhor Padre Amílcar e à Junta de Freguesia por acederem a este nosso pedido e estendo este agradecimento às pessoas que aqui estão presentes e que o conheceram.
            Dois meses antes de nos deixar, numa das muitas conversas que tivemos perguntei-lhe se tinha medo de morrer. A resposta foi rápida e frontal. NÃO, sem pensar muito ou manifestar alguma dúvida.
            Quantos poderão responder assim?
            Esta resposta é a prova que estava bem consigo mesmo e com os outros, vivendo um equilíbrio perfeito também e supostamente com Deus.
            Partiu muito cedo, sem aviso prévio, muito de acordo com a sua personalidade, já há 27 anos, deixando-nos, nós filhas, eternamente órfãs, porém considero que ninguém morre enquanto viver no nosso coração e enquanto alguém o recordar. 
            Grata pela vossa atenção.

Anabela Quelhas (filha).

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