quinta-feira, 13 de agosto de 2009

VIAGEM NO TEMPO

(imagem do jornal O Jerónimo de 2003)
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Que aprecio há muitos anos a obra da pintora transmontana Graça Morais já quase toda a gente percebeu. Infelizmente para nós, Graça Morais não nasceu em Justes,... nasceu perto e representa como ninguém a gente transmontana e o Reino Maravilhoso (Miguel Torga), que a inspira e que sem dúvida marcou a sua pintura, e que ela sabe dignificar brilhantemente.
Graça Morais nasceu no Vieiro da Terra Quente, no entanto olhando as suas telas, muitas delas poderiam relacionar-se com também com Justes e é por isso que hoje lhe dedico este post.
Há uns anos atrás, tendo eu que fazer um agradecimento público a esta grande senhora, produzi o texto que transcrevo a seguir (perdoem-me os verdadeiros escritores, pois escrever não sei, e sei que com jeito não se vai lá, eu sou mas é, uma grande atrevida), ilustrado com algumas das suas pinturas.
Ao escrever o texto pensei em Justes.


"Cada vez que observo a pintura de Graça Morais, redescubro imagens, aromas, sons e outras sensações que há muito andavam esquecidas num canto do meu subconsciente, onde se arruma parte da minha infância vivida numa aldeia trasmontana.
Surpreendo-me emocionada...
... há quanto tempo não via o pescoço dobrado de uma galinha, preparada para o sacrifício que a transformará em canja ou arroz de cabidela; todo o ritual delicado e feminino que contrasta com a violência do gesto.
... a matança do porco que eu não gostava de presenciar, mas que recordo através de sons, localizados logo pela manhã, matizados de um cheiro de palha, pêlo e pele queimados, contrastando com o odor do leitãozinho, que tinha visto acabado de parir – a violência amenizada pela necessidade da sobrevivência dos homens – explicação dada pela mãe.
... as esculturas de cera colocadas na igreja, as cenas pintadas de ex-votos, representando momentos de aflição, penduradas à volta do altar barroco. Eu olhando intrigada, vestida de anjinho no final das procissões; o cheiro forte de incenso emanado de um turíbulo oscilante que atravessava o altar-mor, hipnotizando o meu olhar infantil, confundindo as minhas convicções de menina, extremadas entre o Bem e o Mal; em dia de festa, a missa cantada em latim, coada por feixes de luz e massas de penumbra, num colorido celestial e... o cordeiro assado à espera para um almoço tardio.
... a ida ao cemitério, na última tarde de Outubro, pela mão da minha avó (viúva, matriarca da família), quer chovesse ou fizesse sol; a mãe carreagando crisântemos em braçado; as viúvas com enxada na mão construindo com terra, volumes paralelipipédicos, carinhosamente geométricos, que de seguida eu e as outras crianças enfeitávamos com cruzinhas traçadas com pétalas e pequenas flores.
... os caretos? Espreitava-os apenas através dos vidros das janelas fechadas!
... as mulheres sem idade, sentadas ao soalheiro, com as travessas a segurar o cabelo, modelado na continuação das rugas profundas do rosto sofrido, a fazer meia numa mágica de 5 agulhas e lã, fiada e traçada na parafusa, ou então a queimar ramos de oliveira nos dias de trovão... a senhora Marquinhas, avó Felisbela, a tia Rosália... “Sta Bárbara bendita, no céu está escrita, com papel e água benta...” (oração).
... o moirão (trasfogueiro) apoiado numa grande laje de granito, com lenha a arder, os potes a fumegar apaladados com o unto ou o azeite da almotolia e a broa acabada de cozer; as castanhas a secar suspensas no caniço.
... os perfumes da terra... as bonecas de pano... as minhas irmãs...
... as saudades do meu pai, pontualmente ausente, emolduradas no olhar triste do seu cão, Fiel!
Obrigada, Graça! "
Visita obrigatória a:

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