...senti o mundo a desabar.
Diagnóstico: ALZHEIMER/ESCLEROSE MÚLTIPLA.
Quis respirar fundo e não consegui.
Tinha as mãos do mundo todo a sufocar-me, e sentia a ausência de um suporte para os meus pés!
Os seus olhos amêndoados, com a íris raiada, entre o verde azeitona e o castanho claro, que aconchegavam a minha existência, que me davam segurança, quando menina, e que julgara eternos, poisaram em mim sem nexo, sem lógica, sem profundidade, descoordenados do pensamento, descontextualizados de tudo e de nada, despropositados, dementes, perdidos da postura racional e coerente de toda uma vida.
Um dia após outro, a perda de actividade, de faculdades, de afectos, entrelaçava-se, com a perda sucessiva do ser humano que me gerou, progressivamente incapaz de exercer autocrítica, de tomar decisões, de
A autonomia, passou lentamente a dependência total.
A frescura da minha conduta converteu-se em amargura constante.
Os afectos formais foram-se desconstruindo, desmaterializando, numa dialéctica estranha de viver, perseguindo teimosamente um rumo com sentido negativo de involução.
Os papéis, estranhamente inverteram-se; de protegida passei a protectora, sem a mínima preparação, não conseguindo vestir bem essa roupagem, que assistia ao esvaziar de conteúdos de uma alma, que eu julgava e queria crer como inalterável.
As perdas sucessivas caracterizavam-se por uma bilateralidade de proporcionalidade inversamente descontrolada, tocando-se por vezes num eixo de simetria que eu tinha dificuldade e
A minha sobrevivência diária à depressão, verificava-se apenas pela impossibilidade de enveredar por esse caminho. Nem esse caminho me restava.
Cada dia se tornou mais cinzento que o anterior, numa paleta monocromática, onde cada vez mais, predominava a ausência de luz, numa existência cada vez mais vegetal e dependente. Os negros cada vez mais negros, como se fosse possível alguma dis
O olhar… esse passou a ser de um estranho, mudou de cor, de forma, de tamanho, de textura, de tempo, de amplitude, de configuração…
…e um dia gelou-me os dedos da mão, com a rigidez marmórea do último dia.