Em Trás-os- Montes, durante o Natal, o polvo disputa com o
bacalahau, o principal lugar na mesa.
«Há duas
explicações para este microfenómeno natalício: a nobreza do alimento e a
proximidade à fronteira», diz Albertino Gonçalves, professor de Sociologia na
Universidade do Minho e especialista em cultura luso-galaica. «O polvo é um
produto de alta qualidade e sempre esteve reservado para ocasiões especiais.»
A tradição
do polvo deve-se à nossa proximidade à Galiza, até porque os galegos consideram
o rio Douro é a sua fronteira a Sul.
final dos anos trinta, depois da Guerra Civil
Espanhola, o Estado Novo (regime de Salazar) quis ordenar o abastecimento
alimentar do país para travar a fome. O polvo não entrava no menu do regime.
«Salazar
definiu zonas e produtos: cereais no Alentejo, sardinha nos portos pesqueiros,
hortícolas e frutícolas no Oeste. E investiu seriamente na frota bacalhoeira,
capaz de trazer das águas frias do Norte um ingrediente barato e altamente
duradouro», «Nessas contas, o polvo, que vinha essencialmente de Espanha, não
tinha lugar.»
O bacalhau
traduz assim o resultado de uma vontade politica, que não é acatada pelas
populações fronteiriças, contrariando o menu do fascismo e praticando o
contrabando do polvo, muito controlado pela PIDE.
A
proximidade da Galiza, principal centro mundial da pesca de polvo, fazia com
que que ele estivesse presente no território nacional, há séculos e entrásse na
dieta das gentes da fronteira, muito
antes do bacalhau, assim como em Trás--os-Montes integrando a identidade dos
transmontanos.
O polvo
chegava seco em barricas e pendurava-se atrás da porta. Dois dias antes do
Natal juntava-se o mulherio nas fontes e mergulhavam-no na água. Depois, era
agarrá-lo pela cabeça e batê-lo numa pedra, pelo menos cinquenta vezes, para
quebrar os seus filamentos fibrosos que endurecem ao cozer. A congelação
permitiu quebrar os tendões do polvo sem esforço, mas antigamente era preciso
fazê-lo à força dos braços das mulheres. As mulheres mais idosos de Justes
certamente confirmarão.
Era na mesa
de Natal que o polvo se tornava povo. Naqueles tentáculos estava a sua
identidade e a sua resistência.
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