terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

A farrapada do Albano Tendeiro


Justes já teve um carnaval a sério, castiço e original.
A farrapada do Albano Tendeiro saia à rua no dia do Entrudo, terça feira de Carnaval. Era assim que se designava um grande grupo de mascarados que saiam à rua assustando os mais pequenos e que passavam por diversas casas solicitando vinho, enchidos ou dinheiro.
A despedida da carne, ritual pagão, absorvido pelo cristianismo, em Justes manifestou-se durante muitos anos, de uma forma rural quase primitiva e naife. Não era um grupo agressivo, mas as crianças mais pequenas assustavam-se com a invulgaridade com que se apresentavam – andrajosos e irreconheciveis.
Este grupo era presidido pelo estimado Albano Tendeiro, homem bem disposto e temente a Deus, pois fora do Carnaval e nos seus tempos que restavam da lavoura árdua e quase desumana, desempenhava funções de sacristão da igreja de Justes, assegurando grande parte do serviço religioso aos fieis devotos da igreja.
No dia do Entrudo, Albano, divertia-se à grande e fazia divertir.
Juntava os foliões numa das lojas da sua casa localizada na Eira, onde recorriam à fuligem depositada na base das sertãs (frigideiras) ou de outros recipientes que iam ao lume (fogueira), e pintavam os rostos e pescoços com essa graxa - mistura de carbono e gordura. Apostavam de seguida no contraste com o branco dos olhos e dos dentes, sendo estes últimos reforçados em tamanho com pedaços de cebola.
O resultado era bizarro, estranho e supostamente pouco saboroso.
O resto da fantasia era composta por tudo que fosse possível vestir, vestidos e calças velhas, lençóis ou cortinas em desuso, chapéus, paus, mocas ou bengalas, e muito especialmente guarda-chuvas estragados, de varetas torcidas e tecido esfarrapado, formando uma autêntica farrapada sem nexo, tangenciando o surreal, o tétrico e o terror, só comparado com o célebre triller de Michel Jackson.
Saiam ao fim da tarde em grande grupo, e a sua passagem era anunciada por vários gritos de tonalidade UUUUUUUUUUUUUUUUhhhhhhhh, de caretos de palha que os antecediam ou outros aldeãos que os seguiam divertidos.
O vinho servia-se em exagero em diversas casas, até a euforia atingir o seu auge, no enterro do Entrudo, que percorria todas as ruas da aldeia, acompanhado de alguma encenação critica, que satirizava publicamente situações que durante o ano andaram na boca do povo. Finalmente, após leitura do testamento, queimava-se um boneco que representava o entrudo, que tinha a característica de ser bem apetrechado ao nível do sexo e redondezas, e onde todos simulavam o choro e os gritos de despedida do inverno.

(fotos originais, não tenho)

BOM CARNAVAL, DIVIRTAM-SE!

2 comentários:

Anabela Costa disse...

Albano Tendeiro era meu bisavô, pelo que a minha mãe conta dele, ele era um homem bom e muito divertido. Actualmente a casa onde ele viveu e faleceu encontra-se em elevado estado de degradação, ou seja, só tem as paredes de pedra em pé o que é de lamentar. A minha mãe já me tinha falado do carnaval de antigamente, da maneira como se vestiam e pintavam, mas gostei de saber que o meu bisavô ajudava na criação das personagens do carnaval de Justes. Bem haja pelo blog. Anabela Costa

A.Quelhas disse...

Olá Anabela
Ainda bem que reconheceu o seu avô na minha publicação. Eu conheci-o quando era miúda e morria de medo da sua farrapada. Penso que ele seria uma boa pessoa e tinha histórias divertidíssimas. Abraço