A tortura do bigodim
Um dia destes, estando a observar uma antiga fotografia e
querendo identificar cada uma das mulheres ali fotografada, uma das minhas
irmãs surpreendeu-me dizendo:
-Essa não pode ser fulana, porque já está de cabelo cortado!
O que é que isto tem de especial?
Aparentemente nada, para quem desconhece a transmontaneidade
ainda bem próxima de nós.
É uma verdade que a forma e o corte do cabelo das mulheres
caracterizam uma época.
A cultura judaico-cristã influenciou a mulher a usar o cabelo
comprido. Nunca vi nenhuma figura religiosa de mise e Madalena usava longos cabelos. Só os anjos tinham os rostos
emoldurados em ´suaves caracóis.
“Mas ter a mulher cabelo crescido lhe
é honroso, porque o cabelo lhe foi dado em lugar de véu”
(livro de I Coríntios 11:15), mas este, esteve sempre associado aos conceitos
de beleza, especialmente à feminina. Cabelos longos também podem expressar sedução
(Afrodite deusa grega, cobria a sua nudez com os seus longos cabelos) ou força
(a força de Sansão localizada na cabeleira). Os nazis rapavam os cabelos das
mulheres judias…
Antes dos
secadores de cabelo se vulgarizarem, logicamente era muito mais fácil manter
uma boa higiene nos cabelos curtos, do que nos compridos. Mas era mais facil
pentear cabelos compridos do que cabelos curtos, estes já exigem uma certa
mestria no pente e na escova. Os cabelos compridos possuem vários recursos para
se apresentarem bem e bonitos - as
tranças, os poupos com trança ou sem
ela, o rabo de cavalo, o cabelo enrolado na nuca, a banana… - que qualquer
mulher sabe executar.
Foi assim que
as mulheres transmontanas se apresentaram durante séculos, de poupo na cabeça,
tendo já cabelos grisalhos ou não. Em crianças poderiam andar de guedelha
solta, mas mal se tornavam mulheres, a guedelha era obrigatóriamente domada e
apertada. A utilização de travessas decorativas, ganchos e passadores, enriqueciam
essa arte de pentear os cabelos tornando-os ainda mais femininos e belos, no
seu processo de domesticação.
A nova ordem
mundial, pós segunda guerra, gerou transformações profundas na sociedade ocidental, entre as quais a
condição da mulher – a mulher começa a trabalhar fora de casa durante a guerra,
substituindo a mão de obra masculina e nunca mais abdicou desse direito e dessa
boa prática.
Em simultâneo, na década de 40, a ondulação dos cabelos, a
quente e a frio popularizou-se e passou a ser sinónimo de modernidade,
destronando as tranças e os poupos milenares, mesmo no Portugal mais profundo.
Não havia televisão, mas havia jornais e as novidades iam chegando a todo o
lado.
A revolução dos cabelos das nossas mães e avós, foram
determinantes no caminho de emancipação da mulher. As tranças feitas de cabelos
lisos e sedosos, cortaram-se mediante sábias tesouradas realizadas nos famosos
cabeleiros Bragança, Pimentel e Arcádia, localizados no centro da cidade, onde
infestava o odor de químico corrosivo da ondulação permanente, ácido tioglicólico. As mulheres abandonavam pacientemente as
suas cabeças aos ferros quentes, durante horas e horas de sofrimento, com as
cabeleiras divididas aos quadradinhos, transformando os cabelos de espeto, em charmosas
cabeleiras cheias de pequenos caracóis que duravam vários meses. Ao saírem do
cabeleireiro, as mulheres vestiam um verdadeiro paradoxo: davam um passo em
frente na sua emancipação – permanente na cabeça e trança cortada na carteira
para guardar em casa como recordação – e em simultâneo passavam a ser
dependentes do cabeleireiro, pois passados uns meses voltavam, para se
submeterem de novo à tortura do bigodim.
Não sei se ficariam mais belas, as mulheres, mas as curtas /médias
cabeleiras, davam-lhes um ar mais livre e independente, mais próximo de Rita
Hayworth, Ingrid Bergman ou Judy Garland, que passavam no cinema.
Mas nada disto era pacífico, gerava alguns conflitos na
família. Naquela época havia homens de chapéu na cabeça e com o machismo à flor
da pele, que nunca escolheriam mulher para casar, que não tivesse o poupo no cima
da cabeça. Tontices!
A
diferença entre a mulher mais clássica e tradicional e a mulher moderna,
cifrava-se com frequência apenas nesta panóplia do cabelo: com poupo ou sem
poupo, índice que ressurgiu na análise duma velha fotografia.Publicado em NVR
Poupo http://fashionstatement-mulherescomestilo.blogspot.pt/2012/07/o-poupo-do-cabelo-e-outros-pormenores.html
Sem comentários:
Enviar um comentário