(continuação)
Visitei há pouco tempo atrás o Fojo do Lobo da Samardã, que conserva ainda a maior parte das suas caracteríticas, localiza-se pertinho da cidade de Vila Real e a propósito escrevi um texto publicado no blog http://www.mardepedra.blogspot.com/ que passo a transcrever.
O fojo do lobo da Samardã merece a sua visita.
Terá sido assim em Justes?
Fojo do lobo - A um km da estrada nacional Chaves -Vila Real, perto da aldeia de Samardã (Vila Pouca de Aguiar). Actualmente está integrado no Circuito do Lobo. Subimos a serra e encontramos do lado direito uma cerca com 50m de diâmetro, aproximadamente, construído em forma circular, mas encostado a um declive acentuado, e com aspecto de muralha sem castelo. É o fojo do lobo.
Antes de lá chegar, é bem provável que se cruze com um grande rebanho, espraiado pela encosta, indiferente á sua passagem, guardado pelo respectivo pastor, e 5 cães de guarda, dois destes, castro laboreiros com ar de poucos amigos.
Hoje o lobo é um animal em vias de extinção, sendo acautelado e protegido. Há décadas atrás, abundavam pelas serras de Trás-os-Montes, alimentando-se à custa dos rebanhos que habitavam aqueles declives de manhã à noite. Nem os cães de guarda valiam às cabras ou ovelhas mais distraídas.
A lei da vida!
A arte e o engenho dos seres pensantes, engendraram uma armadilha para apanhar os lobos: o Fojo do Lobo: um muro construído em granito, pedra irregular, com cerca de 3m de altura, com a particularidade do seu remate superior, ser formado por lages salientes para o interior, pontiagudas, tendo uma função muito especifica: impossibilitar a passagem do interior para o exterior.
Atendendo à morfologia do terreno, era possível aos lobos, saltarem para dentro deste recinto, utilizando a parte mais elevada, só que não conseguiam fazer o caminho inverso.
Assim, a tal “muralha possuía” uma pequena abertura onde era introduzida uma cabra velha, manca ou doente, tinhosa como lhe chamavam; tapavam o buraco com uma pedra e deixavam-na lá a pastar, com um pequeno pio com água.
Era este o chamariz dos lobos, que rapidamente pressentiam a presença da cabra fora do rebanho. Saltavam o muro facilmente pelo topo superior, comiam a rés e só depois se sentiam encurralados, tendo que esperar pelo seu fim tão ardilosamente preparado.
No dia seguinte, os pastores chamariam os caçadores para matarem o lobo. Era costume, o caçador exibir o predador defunto, no lombo de um burro e passeá-lo pela aldeia, construindo oportunidade para convívio, prova de salpicões e emborcar uns quartilhos de vinho.
Estas construções de arquitectura popular, com origem ascentral, estão também em vias de extinção. Muitas se esqueceram, engolidas pelo mato de giestas, outras se desagregaram, ou ainda serviram de material de construção para outros espaços.
Resta ainda este, bem perto de todos nós, mas já adulterado: localizaram na sua parte central umas placas comemorativas, que alteram a conjuntura da cerca. Camilo Castelo Branco, que viveu uma parte da sua vida em Vilarinho de Samardã, imortalizou esta vivência:
“Eu é que conheço a Samardã, desde os meus onze anos. Está situada na província Transmontana, entre as serras do Mésio e do Alvão. Nas noites nevadas, as alcateias dos lobos descem à aldeia e cevam a sua fome nos rebanhos, se vingam descancelar as portas dos currais; à míngua de ovelhas, comem um burro vadio ou dois, consoante a necessidade.
Se não topam alimária, uivam lugubremente, e embrenham-se nas gargantas da serra, iludindo a fome com raposas ou gatos bravos marasmados pelo frio. Foi ali que eu me familiarizei com as bestas-feras; ainda assim, topei-as depois, cá em baixo, nos matagais das cidades, tais e tantas que me eriçaram os cabelos
Na vertente da montanha que dominava a Samardã, havia um fojo – uma cerca de muro tosco de calhaus a esmo onde se expunha à voracidade do lobo uma ovelha tinhosa. O lobo, engodado pelos balidos da ovelha, vinha de longe, derreado, rente com os fraguedos, de orelha fita e o focinho a farejar. Assim que dava tento da presa, arrojava-se de um pincho para o cerrado. A rês expedia os derradeiros berros fugindo e furtando as voltas ao lobo que, ao terceiro pulo, lhe cravava os dentes no pescoço, e atirava com ela escabujando sobre o espinhaço; porém, transpor de salto o muro era-lhe impossível, porque a altura interior fazia o dobro da externa. A fera provavelmente compreendia então que fora lograda; mas em vez de largar a presa, e aliviar-se a carga, para tentar mais escoteira o salto, a estúpida sentava-se sobre a ovelha e, depois de a esfolar, comia-a.
Presenciei duas vezes esta carnagem em que eu – animal racional – levava vantagem ao lobo tão-somente em comer a ovelha assada no forno com arroz.
De uma dessas vezes, pus sobre uns sargaços a Arte do padre António Pereira, da qual eu andava decorando todo o latim que esqueci; marinhei com a minha clavina pela parede por onde saltara a fera, e, posto às cavaleiras do muro, gastei a pólvora e chumbo que levava granizando o lobo, que raivava dentro do fojo atirando-se contra os ângulos aspérrimos do muro.
Desci para deixar morrer o lobo sossegadamente e livre da minha presença odiosa. Antes de me retirar, espreitei-o por entre a juntura de duas pedras. Andava ele passeando na circunferência do fojo com uns ares burgueses e sadios de um sujeito que faz o quilo de meia ovelha. Depois, sentou-se à beira da restante metade da rês; e, quando eu cuidava que ele ia morrer ao pé da vítima, acabou de a comer. É forçoso que eu não tenha algum amor-próprio para confessar que lhe não meti um só graeiro de cinco tiros que lhe desfechei.
As minhas balas de chumbo naquele tempo eram inofensivas como as balas de papel com que hoje assanho os colmilhos de outras bestas-feras. Este conto veio a propósito da Samardã, que distava um quarto de légua da aldeia onde passei os primeiros e únicos felizes anos da minha mocidade.”
Camilo Castelo Branco, em “O Degredado”
Camilo Castelo Branco, em “O Degredado”
2 comentários:
Muito interessante.
Valeria a pena restaura-lo com as carcteristicas originais ?
Pelo menos há que cuidar para manter o que ainda existe.
Olá Carlos
Claro que valeria a pena. Este Fojo a que me refiro localiza-se a poucos kms de Justes está quase completo, só que tiveram a brilhante ideia de colocar umas placas em homenagem a Camilo Castelo Branco lá no meio.
É só haver vontade politica de corrigir as asneiras, mas nada está perdido.
Brevemente publico algumas fotos. Abraço
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