terça-feira, 2 de dezembro de 2008

No tempo do Volfrâmio parte IV


“-Oh Senhor, aquilo é que era ganhar dinheiro! Para o meu Pai ficar em casa a tratar das jeiras, fui eu para a mina, com 14 anos. Ainda andei lá uns anitos! Depois, lancei-me por conta própria. Tinha um bando de rapazolas a trabalhar para mim. Buraco aqui e acolá, sempre se encontrava, porque havia muito”, -vai-me contando, enquanto endireita ou entorta o boné.
O entusiasmo escorre-lhe pelo rosto. Aqueles olhos habitualmente distantes, parecem adquirir vivacidade, quase brilho, num homem com aquela idade. Parece que uma nova juventude lhe dá forças
Já passou e bem a casa dos oitenta, ouve mal e anda sempre encostado a uma muleta. São medalhas do passado!

Todos os dias o Táxi o vai buscar a casa, por volta da 1 da tarde.
É a sua maneira de mostrar postura perante a vida!
Senta-se à mesa de café, toma o seu cafezinho e procura o jornal. Lê e relê, até o sono tomar conta dele.
Acorda.

Se há parceiros para uma partida de sueca, lá passa umas horas. Se está bom tempo, vem até ao sol, procurar um pouco de conversa. É um autêntico livro aberto, cheio de histórias e de vida. Histórias essas que prometeu contar-me e que passam apara além do Volfrâmio
“ – Cheguei a juntar 500 quilos. O negócio já estava tratado e tudo combinado. Só que o contacto demorou mais que o esperado e acabou a guerra. Pronto, lá se foi a fortuna. O preço veio logo para vinte escudos”, - vai contando.
“ Ladrões? Ui, era o que havia mais. Uma vez, de noite, batem-me à porta. Era um tipo com um saco de minério. Queria que lho comprasse. Disse-lhe que sim mas que aquela hora da noite não dava para ver. Que o deixasse ficar e eu via ao outro dia. Não senhor, não podia ser porque o minério era roubado. Sem ele dar conta, meti a mão no saco e tirei uma pedra. Pronto, está bem, volte então amanhã. Ao outro dia peguei na pedra e vi que era castanha. Não era volfrâmio, era da parte de lá do Marão ( hematite?). Naquela altura, tudo o que tivesse peso…era minério!”
” –Ainda me fui aguentando e quando já estava para desistir, rebentou a Guerra da Coreia. Foi a maluqueira, outra vez! O preço subiu outra vez para 500, 700 e até mil escudos”.
“ Eu governava a vida com o minério que arranjava, com o meu pessoal e com aquele que me vinham vender. Então, ia à Bila ( Vila Real) e deixava-os lá numa Pensão a um rapaz da minha idade. `A patroa não! Ao empregado, que era um rapaz da minha idade e que eu sabia que tinha negócios com os “engaijadores”. O sacana tirava sempre duas ou três pedras de cada saco e fazia sempre a sua maquia, mas dava para todos! Mas, quando acabou, se pobre fui, pobre fiquei… e ele ficou com uma das maiores fortunas da zona”
A nostalgia vem-lhe ao rosto. Começa a notar-se-lhe tristeza na voz e no olhar.
Tenho que o revigorar.
“ – Havia o negócio das “raitadas”! – recupera a alegria - “ Era feito de noite. Punham-se à pesca, de dia, perto da mina. Quando estava noite, convidavam o guarda da mina para comer os peixes e embebedavam-no. Então iam ao depósito do minério e roubavam o minério. Mas tinham que fugir, porque haviam os vigias, que andavam armados e atiravam a matar. Naquele tempo, andava tudo armado. Era fácil ouvir tiroteio, aqui e acolá! A gente até já nem ligava.”- O reviver mentalmente aquelas loucas aventuras, devolveram-lhe entusiasmo. Parecia até tremer, enquanto ia falando. A muleta, no braço direito, parecia uma picareta a desbravar rocha e terra.
Agora desbravava a memória e as saudades do tempo de rapaz.
“ – Mas, quantas vezes conseguiam enganar os vigias e, indo serra fora p’ra esconder o minério e numa encruzilhada, lá estavam eles. Chapéus enterrados até às orelhas, lenços a cobrir os olhos, arma apontada: - passa para cá o minério, ou morres já aqui! - Lá tinham que entregar tudo e voltar para trás. Tanta luta para nada. Os outros, os que andavam a assaltar é que governaram a vida. Sem se molharem ou sujarem ficavam com o minério. Foram esses que ficaram com as grandes fortunas que apareceram no Douro. Não demorou muito tempo, quando começaram a aparecer os carros, que eles se apresentavam com grandes “espadas”, compravam tudo e começaram a aparecer de gravata e charuto! Para esse é que o minério foi bom. Toda a gente lhes tirava o chapéu e os tratava por Senhor .!”

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