quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

No tempo do Volfrâmio parte V


O Douro, ciclicamente, é atormentado por um qualquer flagelo que traz desgraça, fome e miséria. As chagas abertas pela Filoxera ainda não estavam saradas. Havia famílias que haviam fugido da beira do rio, do xisto, da zona demarcada pelo Marquês de Pombal, para procurarem subsistência, lá para os altos, onde a praga não chegasse. Deambulavam de terra, em terra à procura do sustento. O Douro demorava a retomar vida (abro um parêntesis para aconselhar a leitura do livro de Francisco Moita Flores, intitulado “ A Fúrias das Vinhas”).
Foram experimentadas novas culturas, como o tabaco!
Nada!
Parecia que a terra nada queria com os durienses!
O aparecimento do Volfrâmio deu novo ânimo às pessoas. Era uma nova oportunidade de vida, era a procura de melhores condições, era a salvação!.
Esta ânsia, desespero, vontade de viver, explicará porque se cometeram tantas loucuras.
Também explicará um velho ditado:“…na terra dos cegos, quem tem um olho, é rei! “
Pelas zonas, onde era constado que havia “minério”, concentravam-se centenas de pessoas, vindas de todo o País e até do estrangeiro. Num belo e exemplar trabalho apresentado pelo Curso de Geologia da UTAD , em exposição feita em Sabrosa – Vila Real, subordinado ao tema “ Reviver o passado do Vale das Gatas”, é descrito que laboraram no auge desta mina de exploração de Volfrâmio cidadãos oriundos de 48 concelhos de Portugal e de alguns países estrangeiros!
Elucidativo.
Vinham para arranjar minério, procurar a sorte, fazer fortuna.
Salazar, no seu jogo de não entrar na guerra, servindo os dois blocos em confronto, é obrigado a proibir a exportação do volfrâmio. Os preços caem a pique e, entretanto, acaba a guerra.
Os Alemães, predominantes donos das minas, ao saberem da proclamação do V.E Day ( Dia de Vitória na Europa), em Tratado assinado por Churchil e Truman, desaparecem do dia para a noite. Fica um! No Vale das Gatas. Aí permanece, constitui família e prossegue com a laboração da Mina.
Sujeitos à vigilância, ao medo, às “raitadas”, aos assaltos, à luta clandestina por um pedaço de volfrâmio, estes milhares de pessoas lançam-se desordenadamente ao assalto das minas sem dono.
Se até aí, o trabalho era duro, desumano e policiado, mas com o mínimo de segurança no interior das minas, obedecendo às regras da altura, ou seja avanço e escoramento do espaço escavado para evitar desmoronamentos, deu lugar à loucura!
As pessoas entravam desordenadamente nas minas e escavavam sem o mínimo de cuidado em escorar os avanços. Sofregamente escavavam, escavavam, à procura do filão mineralizado. Se eventualmente havia um “cavalgamento”, uma falha ( torções ou desvios, simplificando) do filão, desorientados escavavam buracos por todo o lado.
Muita gente morreu soterrada
Muitas lendas surgiram, desde então!
Em princípios dos anos 80, procedia ao levantamento de uma mina abandonada.
Era importante estudá-la por ser uma referência na zona. Daria informações importantes, àquela profundidade, da geologia da zona.
Era impossível entrar pela boca. Era um autêntico lago. Descobriu-se através de um miúdo que por ali andava com o gado, da existência de uma chaminé de acesso à mina. Uma cabra que por lá caíra e o medo de chegar a casa sem ela, obrigou o miúdo a descer até lá dentro. Descoberto o segredo, deu para verificar que o tal lago era somente na entrada e seria fácil de retirar a água. Requisitadas bombas de água aos Bombeiros locais, em quatro horas tivemos condições de segurança para entrar na mina.
Avancei com um colega.
Relembro a galeria central, ao longo do filão principal, com pequenas galerias laterais, de detecção. Pelo centro, vários poços, cheios de água, mas que tinham servido para detectar os tais ressaltos do filão principal.
Demorámos duas ou três horas. Quando se está lá dentro, parece que se esquece o mundo exterior. Somos nós, o silêncio e a rocha, que em surdina parece que nos comunica algo. O tempo passa por nós, sem nos apercebermos que há um relógio que teimosamente avança, um sol que se esconde, ou uma realidade exterior que esquecemos, entretanto.
De repente, um “chapinhar” chama-nos a atenção!
Chap, Chap, Chap,! Vozes lá ao longe: “ – Anda cá, para onde vais, desgraçado?”
Acabou-se o trabalho! O perigo daqueles poços no meio da galeria alertou-nos de que algo poderia acontecer.
Corremos para a boca da mina e deparámos com um homem, manco, agarrado a um varapau que avançava pela mina dentro.
“ – Para onde vai homem? Que anda aqui a fazer?”
“ – Se vocês entraram eu também posso entrar! Há anos que ando p’ra fazer isto, mas tinha cagaço. Agora já me posso gabar que entrei cá dentro!” – responde-nos cheio de orgulho.
Tínhamos que o acompanhar à boca da mina. Era um perigo, ele estar ali!
Conforme avançamos, vamos vislumbrando muitas silhuetas, todas inclinadas, a olhar lá para dentro.
É espanto contra espanto!
Que faz tanta gente ali?
Olhos penetrantes, incrédulos, olham quem se aproxima, debaixo daqueles fatos de borracha verde.
O homem que mancava mexia-se como se comandasse uma banda de música.
Nós sentíamo-nos como se fossemos almas do outro mundo.
Quando o resto da claridade do dia nos apanha de frente, dez ou quinze pessoas começam a bater palmas.
“- Estão vivos, estão vivos”!
Heróis!
Rezava a lenda que, quem entrasse ali, lá dentro morreria!
Nós voltámos. E, connosco vinha o manco.
De certeza que o homem que mancava se tornou herói local.
Para nós, acabado o trabalho, fomos à procura de novas sensações.
Blog O Serrano

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