Foto obtida talvez em 1947 na inauguração da escola de Justes (????)
Da esquerda para a direita:
Celina Silva, Cecília Silva Vieira, Angelina Vieira, Adelaide Silva, Emília Correia (?), Otília Silva, Marcília Vieira, AlcinaVieira
No 2º plano - Orlanda Fontes (entre Otília e Marcília)
JUSTES A nossa herança cultural também é formada por malhas de afectos que nos ligam aos sítios e às pessoas, definindo e justificando cada vez melhor as viagens que oscilam entre passado e futuro. Referências, laços, percursos e registos que só são valorizados pelos que partilham essa herança.
quarta-feira, 17 de dezembro de 2014
domingo, 7 de dezembro de 2014
Eras tu, sem seres
Fotografia: Manuel Cosentino.
Eras tu, sem seres, parada e demente na linha do tempo. Sem orientação, sem rumo, parada sem bagagem no apeadeiro da vida, dando-nos a grande lição da vida, a aguardar pacientemente a morte anunciada.
Fomos-te perdendo, anos antes, em cada olhar que se despedia de nós, como uma paisagem que se some no horizonte. Fingíamos não perceber e fazíamos contigo, planos para o futuro, sabendo que o futuro já tinha ficada para trás há muito. Não tínhamos l...ágrimas, apenas surpresa e ansiedade por aquilo que ainda te estaria reservado, apelando todos os dias para a nossa força interior, que muitas vezes claudicava vertiginosamente. O desespero de não se perceber a demência. O desespero de não termos armas para lutar por ti. O desespero de em cada noite te tornares ainda mais distante e desconhecida de nós.
O entusiasmo, a lucidez, a autonomia e a perseverança que te caracterizavam, abandonaram-te tão cedo, que as manhãs poderiam ser tardes, e as tardes, as noites, como se a linha do tempo se tivesse subitamente tornado quebrada, por determinação de ninguém.
Eras tu, sem seres, apaticamente estacionada no tempo, e nós, plateia forçada dessa despedida dolorosamente injusta.
Bj mãe
Eras tu, sem seres, parada e demente na linha do tempo. Sem orientação, sem rumo, parada sem bagagem no apeadeiro da vida, dando-nos a grande lição da vida, a aguardar pacientemente a morte anunciada.
Fomos-te perdendo, anos antes, em cada olhar que se despedia de nós, como uma paisagem que se some no horizonte. Fingíamos não perceber e fazíamos contigo, planos para o futuro, sabendo que o futuro já tinha ficada para trás há muito. Não tínhamos l...ágrimas, apenas surpresa e ansiedade por aquilo que ainda te estaria reservado, apelando todos os dias para a nossa força interior, que muitas vezes claudicava vertiginosamente. O desespero de não se perceber a demência. O desespero de não termos armas para lutar por ti. O desespero de em cada noite te tornares ainda mais distante e desconhecida de nós.
O entusiasmo, a lucidez, a autonomia e a perseverança que te caracterizavam, abandonaram-te tão cedo, que as manhãs poderiam ser tardes, e as tardes, as noites, como se a linha do tempo se tivesse subitamente tornado quebrada, por determinação de ninguém.
Eras tu, sem seres, apaticamente estacionada no tempo, e nós, plateia forçada dessa despedida dolorosamente injusta.
Bj mãe
sexta-feira, 21 de novembro de 2014
Defunto falecido
O defunto
falecido
Há histórias que originam
verdadeiros filmes, pois são invulgares e com conteúdo forte, tornando-se bizarras
quando analisadas com sentido crítico. No Portugal profundo não há só as
histórias populares da tradição oral, também há outras histórias que possuem a
dualidade do real e da fantasia, capazes de dar algum contentamento a um
realizador neorrealista.
Conheci
uma figura impar, já desaparecida, que assinou como autor de algumas histórias
bizarras, e que, contadas e recontadas na 1ª pessoa, lhe pertencem do princípio
ao fim. Com personalidade aventureira, habituado às adversidades da vida, capaz
de imensas proezas inimagináveis, sem os valores bem aferidos, disposto a
correr riscos e com uma linguagem pejada de asneiras cabeludas constantes...
ele contou que, num momento da sua vida, entre diversas profissões ocasionais
que desempenhou, fazia com um automóvel citroen
“boca de sapo” com 4 vitesses para a
frente, viagens entre Portugal e França, servindo especialmente os emigrantes portugueses,
transportando-os ou realizando serviços legais e ou ilegais, dependendo do
ponto de vista e do preço. Não era zarolho, mas corria riscos na mesma, sem
grande responsabilidade e sem medir as consequências para ele e muito menos
para os outros. Penso que a ilegalidade era o fato que lhe assentava melhor.
Um
belo dia deparou-se com o desafio de transportar ilegalmente um defunto
falecido numa bidonville parisiense para Portugal, já que os familiares não
teriam dinheiro para a trasladação legal ou nem saberiam como faze-lo. O
transporte de um falecido envolve responsabilidade médica e jurídica, um
processo burocrático enorme, e ter a bolsa recheada de dinheiro para fazer face
às despesas. Os familiares tinham poucos recursos, apesar do carro em 2ª ou 3ª
mão guardado para vir de férias au Portugal.
Ele
dispôs-se a faze-lo sem grandes complicações, recebendo logo à partida a
remuneração combinada para lhe dar ânimo para a viagem. Recolheram alguns
francos pelos diversos filhos, e apostaram as “fichas” todas nesta solução.
Recolheu
o defunto que tinha falecido há menos de uma hora, vestiu-lhe um fato preto,
sentou-o e amarrou-o ao banco do passageiro do carro dele (ainda não havia
cintos de segurança), apertou-lhe o casaco, colocou-lhe un chapeau e a gravata e rematou com uns vérres bem escuros. Arrancou para Portugal, um Portugal que ainda
não era Europa, com a garrafa de bagaço no porta-luvas e os cigarros 3 vintes
no bolso da camisa. A família seguia noutra viatura, à derrière..
O
defunto falecido portou-se muito bem, parecendo dormir o caminho todo. Pararam
para dormir um pouco. Pararam para fazer as refeições – o farnel do arroz de
frango e umas sandes de fromage. O
defunto não teve fome, manteve-se sereno, abstémio e sempre com os seus óculos
escuros, que ora lhe filtravam o sol, ora lhe filtravam o luar…parecendo
dormitar. O queixo descaia um pouco e foi preciso reforçar o visual com um
cachecol. Numa das fronteiras, os carabineiros, rodearam o carro, espreitaram, pediram
documentos, interrogaram e respeitaram o sono do senhor adormecido. A família
em pânico dentro da sua viatura, visualizando todas estas operações, rezavam
pai nossos e avé marias à Nossa Senhora de Fátima, para que o defunto não fosse
convidado a sair….
O
motorista aventureiro quando recontava a história dizia que o pior estava para
vir.
Entraram
au Portugal com sucesso e chegaram à aldeia lá para os lados de Montezinho, onde
a urna e a cova no cemitério já estariam abertas e toda a papelada tratada,
pois previa-se o odor insuportável do final da viagem. De facto o pior estaria
para vir, e que seria retirar o defunto do veículo que o acolhera ainda quente
e por mais de 30 horas de viagem.
O post
mortem, a viagem, as fronteiras e o fumo do permanente cigarro 3 vintes do autor
desta proeza, endureceram-lhe os músculos, os tendões, o comportamento e até a
alma. O homem era grande, vinha bem encaixado entre a cadeira e o tablier, teso como um presunto, sem
maleabilidade alguma para se retirar do veículo.
-
Então Galdra? como resolveste le problèm?
- Ca,
ca ....lho. (ele era gago) titive que que lhe partir as pernas! Q’até deu jeito
para o meterem na urna, senão ela não fechava com as pernas dobradas.
No
final todos os ouvintes riam por imaginar o Gualdra com um martelo a fazer o
desencarceramento do defunto dorminhoco.
-
Olha lá e se os Carabineros tivessem percebido e mandassem sair o senhor do
chapéu?.
-Ca,
cara .... lho eu já estava a penpensar, pupu..a que pariu eu eu fingia que quia
buscar os dodocumentos ao cacarro queque nos seguia e fugia que nunnunca
mais ninguém meme apanhava!.
Pobres
dos familiares, que pagaram bem e seguiram confiantes este aventureiro, que nem
pensaria duas vezes em deixa-los a todos em maus lençóis.
Um
cromo esta figura!
Digam
lá se não dava um filme????!!!!!
In” Estórias de um Portugal
profundo” Anabela Quelhas
domingo, 19 de outubro de 2014
Elogio funebre (1912-2014)
Hoje Justes ficou
mais pobre
Ao virar os 100 cheguei a acreditar que ele era imortal e
que a vida finalmente venceria a morte.
Os anos passando e a lucidez a trocar as voltas à demência,
a vontade de viver ignorando as maleitas e os contratempos dos 70, dos 80, dos
90 e mesmo dos 100 anos. Acreditei sempre em mais e mais, convenci-me que
continuaria assim eternamente
Não foi assim.
Um dos meus exemplos de dignidade e honestidade deixou de
existir neste mundo terreno.
Evocar Rousseau é muito pouco para referenciar um exemplo de
vida, evocar César e Jesus não me conforta, nem me contém as lágrimas.
Adeus tio Alberto.
quarta-feira, 3 de setembro de 2014
Aniversário de Matilde Correia
Hoje esta senhora faz 94 anos.
São 94 anos feitos de muitas histórias, conservadas numa memória fabulosa.
Analisa e profere com lucidez tudo o que se passa à sua volta. É daquelas pessoas que servem de modelo ao envelhecimento.
É minha tia e para mim é a minha terceira mãe.
Hoje D. Matilde Correia faz 94 anos, reunindo toda a família mais próxima à volta do seu bolo de aniversário, num sitio que se espera agradável e fresco, rodeado de flores que ela cuida extremosamente.
Parabéns Matilde!!!!
segunda-feira, 25 de agosto de 2014
Análise de um quarteirão
Análise de um quarteirão por Anabela Quelhas
LOCALIZAÇÃO - Justes
Confrontações
Nordeste – Rua Dr. César Torres
(caminho de Trás Celeiros)
Sudeste – Rua Dr. Otílio
Figueiredo
Sudoeste – Rua da Pereira
Noroeste – Rua Alcides Boal
Implantação: Lotes rústicos e urbanos perfeitamente contidos entre
os 4 arruamentos, em que os urbanos compõem uma “coroa circular” quase
completa, portanto um perímetro fechado ao nível da construção, exceptuando o
limite nordeste. No limite nordeste
havia apenas um caminho estreito de piso muito irregular, por onde quase
ninguém passava, denominado Trás de Celeiros. A mancha de construção utiliza o
artificio materializado pelo chamado passadiço, unindo este quarteirão para a
malha urbana localizada a sudeste, em dois pontos. Um deles ainda sobrevive na
casa dos Guerra. Existe também uma passagem superior de ligação entre
habitações na rua Alcides Boal.
Área construída:
A massa construída forma uma
frente contínua virada para a rua, fechando dentro de si os espaços de
logradouro. Ao nível das ruas, o utente apenas visualiza as construções e uma
ou outra reentrância.
Na área sudeste as construções
desenham-se abrindo-se numa curva larga e côncava para acolher um solo
granítico, denominado e com função de eira, incluindo também aqui um passadiço
secundário.
Algumas das construções estão
datadas, integrando essencialmente os séculos XVIII e XIX.
Todas as construções são de
granito, com coberturas em telha cerâmica.
Tipologias originais
Rua Dr César Torres – sem
construções - topo aberto
Rua Dr. Otílio Figueiredo– 1 piso
– lojas de animais e arrecadações; 2 pisos - R/chão (lojas de animais ou
arrecadações); 1º andar (habitação). Utilização de 3 passadiços.
Sudoeste – Rua da Pereira – 2
pisos – R/chão (lojas de animais ou arrecadações); 1º andar (habitação)
Noroeste – Rua Alcides Boal -
R/chão – 2 pisos – R/chão (lojas de animais ou arrecadações); 1º andar
(habitação).
A maioria das construções
apresentam alçados muito fechados para a rua, apenas com as aberturas
essenciais e abrem-se para o interior do quarteirão, através de escadas abertas
e varandas, acolhendo na traseira os espaços de maior vivência familiar e no
desenvolvimento de algumas tarefas agrícolas.. Apresenta-se como excepção a
casa dos Fontes (esquina da rua da Pereira e rua dr Otilio Figueiredo) e casa
dos Condes (rua Dr Otílio Figueiredo).
Algumas habitações apresentavam
ligações permitindo o acesso fácil entre elas e pequenos apontamentos de alguma
erudição - salas com tecto de maceira, bancos de janela, armários embutidos,
registo da era na porta principal, etc.
Áreas não construídas (rústicas) – localizam-se no interior do
quarteirão e são encerradas, fechadas para as ruas, excepto a nordeste.
Denominam-se quinteiros e todos eles ligam-se âs habitações e arrecadações.
Estes quinteiros possuem ou não pequenos muretes divisórios. Existe um caminho
pedonal de consortes que atravessa em linha recta na direção noroeste para
sudeste, sendo o eixo de ligação entre as várias áreas.
Os quinteiros e o eixo de ligação,
permitem que se estabeleça uma fácil e rápida ligação entre as construções e
entre as duas ruas opostas. No limite sudeste deste caminho existe uma ligação
fácil para a eira.
Os quinteiros são explorados como
hortas pontuados por árvores de fruto (pereiras, macieiras, cerejeiras)
Ocupação:
Todo este aglomerado pertencia a
pessoas da mesma família: Palheiros, Forcado, Torres, Fontes, Guerra e Condes.
Neste momento nem todas pertencem aos descendentes.
Integração no aglomerado de Justes:
Quem percorre as ruas da aldeia,
não percebe toda esta estrutura que caracteriza o quarteirão em causa. As ruas
dão continuidade à malha urbana, a linguagem arquitectónica está integrada e
apenas os passadiços assumem-se como elementos invulgares. Porém este
quarteirão é distinto do resto da aldeia, é ambivalente nas ligações, permite o
isolamento e permite as ligações, o que lhe confere uma privacidade discreta em
relação ao resto da aldeia. Provavelmente a maioria dos habitantes de Justes
desconhecem esta situação e nunca presenciaram a vivência que se praticou em 3
séculos no seu interior.
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arquitectura,
História,
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território
domingo, 24 de agosto de 2014
CALDO DE FARINHA
Caldo confeccionado em Justes pelas melhores cozinheiras do antigamente, considerado uma verdadeira especialidade. Vi fazer algumas vezes à minha mãe.
Ingredientes:
- farinha de milho branca
- couve galega
- água
- azeite
- unto
- sal
- carne de porco em vinha d’alhos
Confecção:
Numa panela com água a ferver, tempera-se com de sal, fio de azeite, unto e carne previamente
temperada em marinada de vinha d’alhos. Junta-se couve galega segada (não muita
quantidade). Deita-se então na panela farinha de milho que entretanto se desfez
num pouco de água fria. Deixa-se cozer bem a farinha mexendo de vez em quando para
não encaroçar. Caso esteja a ficar muito grossa, acrescenta-se mais água (a
textura deverá ficar como a da papa Cérelac). Quando estiver quase pronta
rectifica-se o sal e deita-se uma colher de sopa de vinagre (facultativo).
Serve-se bem quente.
Receita de Rosália Palheiros e Matilde Correia
sábado, 23 de agosto de 2014
1ª guerra mundial (1914-1918)
Também temos os nossos heróis.
A propósito da 1ª Guerra Mundial (1914), da qual se comemora
agora o primeiro centenário, pretendo realçar os nomes dos nossos combatentes
que foram alistados nos grupos que combateram em:
França: António
Catarino, José Ribeiro e António Panelas.
Angola: Artur do Ferreiro e António Maria Machado (casado em
Justes com Preciosa Palheiros)
Enquadramento histórico
O conflito mundial que envolveu as grandes potencias a nível
mundial, que se organizaram em duas frentes:
- Aliados (França,
Inglaterra e Rússia)
- Impérios centrais ( Alemanha, Áustria, Hungria e Itália).
Portugal participou nesta
guerra ao lado dos Aliados.
Nos primeiros anos foram enviados soldados para as
ex-colónias portuguesas, Angola e Moçambique, territórios ameaçados pela
Alemanha, e posteriormente em 1917, os soldados portugueses foram enviados
para Flandres.
A participação de Portugal neste conflito mundial envolveu a
mobilização de 200 mil homens. !0 mil homens morreram, milhares ficaram
feridos. Foi um esforço muito superior à capacidade deste país.
Dos homens mencionados de Justes, António Maria Machado era
sargento, os outros não tinham qualquer patente.
Esta foi a guerra mais mortífera de todas. A vida nas
trincheiras era dura (europa).
A trincheira era uma escavação linear no solo. As valas eram
escavadas no chão pelos próprios soldados, com cerca de dois metros de
profundidade e vários quilômetros de extensão . nelas milhões de soldados
ficaram sujeitos à fome ao frio e ao medo constante da morte por bombardeios,
granadas, tiros e doenças.
quarta-feira, 20 de agosto de 2014
segunda-feira, 18 de agosto de 2014
Os nomes e as origens
Tenho organizado os meus
antepassados em 7 árvores genealógicas, para entender as ligações entre os seus
elementos, pois percebi que existe uma malha complexa que une
diversas famílias de Justes – os Quelhas, os Alves, os Palheiros, os Almeidas,
os Correias, os Silva, os Boais e os Vieiras. Poderei afirmar que as pessoas
nascidas em Justes há mais de 50 figuram nestas árvores.
A minha investigação vai até
meados do sec XIX. Daí para trás, é um tempo e um espaço desconhecido.
Analisando estas árvores parece-me que devo concluir que Justes era uma
comunidade muito fechada, e que as relações familiares variavam essencialmente
entre estas famílias acrescidas dos Fontes e dos Guerra. As famílias proliferavam
na descendência e cruzavam-se entre si através do casamento. Este esquema consanguíneo
de casamentos – casamentos entre primos mais ou menos próximos – era assim uma
prática para aqueles que permaneceram nesta aldeia com as consequências mais ou
menos gravosas ao nível da saúde desta comunidade.
A nossa origem é difícil de
determinar com certeza e evidências. A minha investigação, a articulação do
conhecimento que fui acumulando ao longo dos anos e as pessoas que fui ouvindo,
levam-me a construir uma teoria apenas minha, sujeita a contestação e aberta a
alterações.
Tal como uma parte da população
portuguesa, seremos provavelmente descendentes de cristãos novos que se refugiaram
em terras transmontanas, depois de perseguidos e expulsos de Espanha no séc.
XV. Gentes que pretenderam ficar por ali esquecidos da inquisição, livrando-se
da fogueira, mudando de nome e aparentemente assimilando novos costumes,
tentando limpar o sangue.
Se consultarmos a listagem de
nomes adoptados pelos cristãos novos, encontramos os SILVA, os CORREIA, os
ALVES, os ALMEIDA, os VIEIRA, os FONTES, os GUERRA…. Curiosamente os QUELHAS
não estão lá, os PALHEIROS e FURCADOS também não.
Os Quelhas segundo parece serão
originários da zona da Catalunha e sul de França.
Os Palheiros e Furcados, eram um
casal: Ana Maria Palheiros e Joaquim Alves Furcado.
Até há pouco tempo eu escrevia
Forcado com o, mas recentemente descobri que os assentos de baptismo dos filhos
deste casal, aparece sempre FURCADO com u.
O nome FURCADO,
incompreensivelmente, extinguiu-se, permanecendo o nome PALHEIROS pela via
matriarcal. Não me parece haver qualquer confusão nos registos. Este casal teve
10 filhos e em todos eles se eliminou o nome Furcado, parecendo assim que houve
uma vontade assumida de o fazer.
Qual era o enigma dessa família
que levou à eliminação do seu apelido?
O significado de Forcado
1.Instrumento agrícola formado por um pau
terminado em dois ou três dentes compridos. = FORQUILHA
2. Quantidade de palha, feno, etc., que o forcado
levanta de uma vez.
3. Tijolo largo e delgado, também chamado tijolo
de forcado.
4. [Tauromaquia] [Tauromaquia] Homem que nas touradas faz as pegas, enfrentando o touro corpo a corpo.
domingo, 17 de agosto de 2014
quarta-feira, 13 de agosto de 2014
MANUEL VIEIRA DA SILVA - o maçom
O meu bisavô, Manuel Vieira da Silva de seu nome, era maçom.
Situação oculta pela descendência, disfarçada pelos filhos e
netos, redescoberta pelos bisnetos da minha geração, através de um documento
sabiamente escondido num baú antigo de madeira e couro, desenhado em tachinhas
amarelas e num vão falso, espaço difícil de encontrar.
Depois de abrir pequenos fechos, descobriu-se o mundo do
maçom, através de um original da maçonaria do Vale do Lavradio.
O ser maçom ou
pedreiro livre foi motivo de humor, entre os bisnetos, ainda dentro daquele falso
conceito associado, que ser pedreiro livre, era uma rebeldia, uma oposição feroz
à igreja e ao poder instituído. Sociedades secretas são sempre o foco de
atenção do nosso aventureirismo adolescente. Tudo o que é secreto desperta-nos,
tudo o que é proibido atrai-nos.
PASSAPORTES
Entidade detentora
Arquivo Distrital de Vila Real
- Código de referência
Arquivo Distrital de Vila Real
- Código de referência
PT-ADVRL-GCVR/H/D/010/1621/183
- Cota original
61
- Título
Registo de passaporte
- Datas
Vila Real, 07/02/1880
- Nível de descrição
Documento Simples
- Dimensão e suporte
160 x 220 mm.; Papel
- Âmbito e conteúdo
Requerente: Manuel Vieira da Silva
Idade: 31 anos Lugar: Justes
Freguesia: Lamares
Concelho: Vila Real
Distrito: Vila Real
Destino: Brasil
- Localização
F. 46v
- Cota original
61
- Título
Registo de passaporte
- Datas
Vila Real, 07/02/1880
- Nível de descrição
Documento Simples
- Dimensão e suporte
160 x 220 mm.; Papel
- Âmbito e conteúdo
Requerente: Manuel Vieira da Silva
Idade: 31 anos Lugar: Justes
Freguesia: Lamares
Concelho: Vila Real
Distrito: Vila Real
Destino: Brasil
- Localização
F. 46v
--------------
Entidade detentora
Arquivo Distrital de Vila Real
- Código de referência
PT-ADVRL-GCVR/H/D/010/1624/249
- Cota original
177
- Título
Registo de passaporte
- Datas
Vila Real, 05/03/1883
- Nível de descrição
Documento Simples
- Dimensão e suporte
160x210 mm.; Papel
- Âmbito e conteúdo
Requerente: Matilde Alves Ribeiro da Silva
Idade: 28 anos
Lugar: Justes
Freguesia: Lamares
Concelho: Vila Real
Distrito: Vila Real
Destino: Brasil
- Localização
F. 63
Arquivo Distrital de Vila Real
- Código de referência
PT-ADVRL-GCVR/H/D/010/1624/249
- Cota original
177
- Título
Registo de passaporte
- Datas
Vila Real, 05/03/1883
- Nível de descrição
Documento Simples
- Dimensão e suporte
160x210 mm.; Papel
- Âmbito e conteúdo
Requerente: Matilde Alves Ribeiro da Silva
Idade: 28 anos
Lugar: Justes
Freguesia: Lamares
Concelho: Vila Real
Distrito: Vila Real
Destino: Brasil
- Localização
F. 63
---------------------------
Manuel Vieira da Silva emigrou para o Brasil, no século XIX,
ainda quando o Brasil se escrevia com z.
BRAZIL.
Emigrou com a esposa, Matilde Alves Ribeiro da Silva, num
barco a vapor. Ele primeiro, ela depois. Devem ter passado dias angustiantes a
atravessar o oceano, em direcção a terras de Vera Cruz, amontoados com outros
iguais, desafiando a fome, as pulgas e os piolhos, rezando para não apanhar uma
doença mortal que os atirasse aos peixinhos. Mais de um mês de miséria e isolamento levados ao
extremo, onde abundava a promiscuidade, o roubo e a violência. Desembarcaram são e salvos em São Sebastião do Rio de
Janeiro.
Um ano mais tarde, já negociante, ingressa na maçonaria
brasileira.
A TODOS OS MMAC.: ESPALHADOS SOBRE A
SUPERFÍCIE DA TERRA
S.:
S.: S.:
O GR.: CAP .: GER.:
DOS RITOS AZUES NO SEIO DO GR.: OR.: DO BRAZIL AO VALE DO LAVRADIO
MANUEL VIEIRA DA SILVA COM 32 ANOS, CASADO, NEGOCIANTE, é aceite
como OPERÁRIO DA AUG LOJ COMMERCIO E ARTES DO RIO DE JANEIRO NO DIA 22 DO 4º MÊS
DO ANO VL 5888
(31 DE MARÇO DE 1881)
Regressa a Portugal com a mulher tuberculosa e os seus 4
filhos: Belmira, Etelvina, Daniel e Albertino. Fez outras viagens entre os dois
lados do oceano. O seu corpo jaz no cemitério da sua terra natal.
Esta é uma história
com história, em outras histórias, de um ilustre desconhecido, redesenhada simbolicamente, por mim em cada
triângulo, em cada pirâmide, em cada olho, em cada sol, em cada coluna, através
do compasso e da régua, de arquitecta que sou, sem avental, mas com
determinação e equilíbrio, procurando sempre e humildemente, o conhecimento.
In Ensaios de escrita, um projecto sempre adiado, Anabela Quelhas
Etiquetas:
emigração,
figura ilustre,
Gentes,
História
quinta-feira, 7 de agosto de 2014
MAÇADOIRO
O cultivo do linho é uma arte ascentral,
que na aldeia de Justes se extinguiu nos anos 60.
O ciclo do linho envolve várias fases,
transformando a planta em peças têxteis, belas, alvas e frescas.
Numa das fases do tratamento do linho,
maça-se o linho, partindo o caule, separando a parte lenhosa da fibra. Essa
operação é feita sobre uma pedra, utilizando um maço.
Ao fundo da rua da Pereira, existe um
maçadoiro, cuja verdadeira utilidade se perde no tempo.
Na memória colectiva recente, o maçadoiro é
uma grande peça de granito assente em duas bases do mesmo material, com altura ergonómica
equivalente à altura do joelho, servindo para sentar.
Sentaram-se ali muitas gentes, ao longo dos
dias e das noites, especialmente nas noites de verão, servindo de espaço para
sentir o fresco das noites quentes de Julho. Serviu também para repousar o
cansaço por quem lá passava e encontrava interlocutor.
É uma peça essencial que marca o eixo da
rua e a intersepção com a rua das fontes.
É uma pedra calada.
As gentes nascem e morrem e o maçadoiro
permanece. Permanece calado, testemunho de tanta conversa sentada, de gente
cansada, de gente repousada, de gente triste e alegre, de gente humilde, de
gente temerosa do deus e do diabo, mas cuja função se adaptou ao tempo de cada
um.
Hoje o maçadoiro é pedra calada e solitária,
com um ponto vermelho do seu lado esquerdo.
AQ
Histórias que se perdem na história
Histórias que se perdem na
história
Entre 1947 e 1952, 5500
crianças austríacas foram acolhidas por famílias portuguesas. Fugiam da II
Guerra Mundial. Com frio, com fome e com às famílias mutiladas pela guerra,
procuraram dias melhores, sítios que as acolhessem. Talvez Portugal fosse o
paraíso, ausentando-as da guerra e oferecendo-lhes um espaço que poderia ser
pelo menos um intervalo dessa guerra.
JUSTES
também acolheu uma destas crianças, oferecendo-lhe o conforto de uma das
melhores casas da aldeia, a casa do Sr Silvino e Sra D. Amélia. Mas o melhor
conforto era certamente poder brincar na rua, sentirem-se protegidas por todos,
poderem comer e beber sem responsabilidades de maior e terem aquilo que todas
as crianças precisam: amor e carinho.
Apenas sei isto, era um menino. A
identificação dessa criança, e toda a sua história ouvia-a algumas vezes em
criança, mas não retive detalhes.
Partilho aqui um texto que retrata
um de muitos casos, certamente semelhante ao nosso caso de Justes.
AQ
AQ
“Nunca na vida Fini Gradischnig tinha visto uma banana ou
uma laranja. Nem imaginava que numa terra mais a Sul da sua, a Áustria,
houvesse gente a comer sopa fria de tomate. Muito menos imaginava um país em
que as crianças pudessem brincar despreocupadas um dia inteiro. Filha da II
Guerra, nascida no Inverno de 1941, um dos mais rigorosos do século, sabia bem
o que era passar fome ou não ter pai – o seu “foi para a Rússia e lá ficou”. É
tudo o que sabe dele.
Um dia, numa aula, um professor perguntou quem queria passar umas férias fora do país, em casa de uma família, que poderia ser portuguesa, espanhola, suíça. Fini Gradischnig tomou logo a decisão. Até porque gostou muito de uma daquelas palavras: Portugal (não sabia ainda que nunca mais se separaria dela). Tinha oito anos e tratou de tudo, até dos papéis para a viagem e de conseguir a assinatura da mãe. “Era assim, éramos muito mais independentes, também fruto daquele tempo horrível.”
Como Fini, outras 5500 crianças austríacas foram acolhidas, entre 1947 e 1952, por famílias portuguesas, num programa da Cáritas. Fugiam à destruição e à miséria do pós-guerra. Em Viena, entravam num comboio com destino a Génova, em Itália, onde eram esperadas por um barco que as levaria ao destino final, Lisboa, numa viagem raramente calma, quase sempre horrível. Levavam uma mala e, ao pescoço, um cartão com o nome, um número e o apelido da família que os iria buscar no destino.
Um dia, numa aula, um professor perguntou quem queria passar umas férias fora do país, em casa de uma família, que poderia ser portuguesa, espanhola, suíça. Fini Gradischnig tomou logo a decisão. Até porque gostou muito de uma daquelas palavras: Portugal (não sabia ainda que nunca mais se separaria dela). Tinha oito anos e tratou de tudo, até dos papéis para a viagem e de conseguir a assinatura da mãe. “Era assim, éramos muito mais independentes, também fruto daquele tempo horrível.”
Como Fini, outras 5500 crianças austríacas foram acolhidas, entre 1947 e 1952, por famílias portuguesas, num programa da Cáritas. Fugiam à destruição e à miséria do pós-guerra. Em Viena, entravam num comboio com destino a Génova, em Itália, onde eram esperadas por um barco que as levaria ao destino final, Lisboa, numa viagem raramente calma, quase sempre horrível. Levavam uma mala e, ao pescoço, um cartão com o nome, um número e o apelido da família que os iria buscar no destino.
Uma viagem dura
A viagem era dura. Demoravam uma semana a chegar. Eram centenas de crianças, muito juntas. Há quem conte que veio a dormir debaixo dos bancos do comboio. Alguns ficavam doentes durante esses dias, no barco quase todos enjoavam, incluindo os funcionários da Cáritas que as acompanhavam até serem entregues às famílias, já depois de um banho que tomavam logo à chegada.
Mas Portugal seria “o paraíso”, tinham-lhes prometido. E é assim que Fini descreve o que encontrou. Depressa as casas semi-destruídas em que viviam nas grandes cidades austríacas dariam lugar a outras que lhes pareciam enormes, em aldeias ou pequenas vilas espalhadas pelo país. “Tudo era grande e bonito, de mais para mim, assustava-me um bocadinho”, contou esta austríaca(…)
A viagem era dura. Demoravam uma semana a chegar. Eram centenas de crianças, muito juntas. Há quem conte que veio a dormir debaixo dos bancos do comboio. Alguns ficavam doentes durante esses dias, no barco quase todos enjoavam, incluindo os funcionários da Cáritas que as acompanhavam até serem entregues às famílias, já depois de um banho que tomavam logo à chegada.
Mas Portugal seria “o paraíso”, tinham-lhes prometido. E é assim que Fini descreve o que encontrou. Depressa as casas semi-destruídas em que viviam nas grandes cidades austríacas dariam lugar a outras que lhes pareciam enormes, em aldeias ou pequenas vilas espalhadas pelo país. “Tudo era grande e bonito, de mais para mim, assustava-me um bocadinho”, contou esta austríaca(…)
domingo, 6 de julho de 2014
terça-feira, 1 de julho de 2014
… quase a cairmos para o Oceano Atlântico
… quase a cairmos para
o Oceano Atlântico
A história da liberdade ainda está por fazer e ela desmultiplicar-se-á
por imensos relatos na 1ª pessoa, das vivências de cada um, criando uma imensa manta
de retalhos que ganhará cada vez mais cor, diversidade e coerência. Sobre a
descolonização há histórias de despedidas, duma viagem chamada ponte aérea e de
outros viagens inacreditáveis, de um país para muitos desconhecido, da
permanência em Lisboa em pensões e hotéis, da retirada para o Portugal rural e
atrasado e do encontro de famílias, do desespero do recomeçar e até de outros
rumos que alguns tomaram. São histórias sofridas e profundamente marcantes na
cronologia de cada um.
….
É
uma casa de várias janelas, de várias varandas, de vários telhados, de várias portas
de entrada, feita de outras casas e com passadiço sobre a rua, situação única
na aldeia. Casa virada para duas ruas, de planta recortada, escondendo
possibilidade de alojamento nunca antes imaginadas. É uma casa de vários chãos.
Hoje
é uma casa solitária e abandonada por muitos donos…. Talvez devoluta, seja a
palavra certa para caracterizar esta casa de fim de rua e cruzamento de outra -
casa com tanta história para contar, atualmente em coma profundo arrastando consigo
as minhas memórias e as de outros que chegaram a uma aldeia rural para
recomeçar a vida. Um coma de adormecimento quase letal, esconde imagens,
pessoas, vivências aglutinadas entre paredes de granito e madeiras seculares,
hoje arruinadas, expostas aos agentes atmosféricos e a outros pequenos
invasores, tão inofensivos e tão letais. Esta é uma casa de ilustração de
muitas histórias que ainda não foram narradas do pós-abril, nos anos agitados
que se seguiram à revolução, quando Portugal rebentava pelas costuras com meio
milhão de retornados e refugiados das ex-colónias.
Esta
casa conhecida por casa dos Guerra e ou por casa dos Fontes, uma mistura que a
genealogia se encarrega de explicar em detalhe, localizada no Portugal profundo
e numa esquina qualquer de Trás-os-Montes, era o lar de 2 mulheres idosas e
solteironas, que se habituaram a viver da ruralidade e na ruralidade dos anos
50 e 60, sem sobressaltos, temperada com
pitadas de algumas novidades da modernidade. Esta
modernidade centrava-se essencialmente num grande rádio que nunca vi utilizarem,
mas que compunha com dignidade uma grande prateleira, uma instalação sanitária
completa com loiças negras e uma televisão, que era o motivo de orgulho destas
irmãs. Não se importavam de partilhar o serão com vizinhos, pois tal objecto
naquela época, rompia definitivamente com a solidão destas sexagenárias e
abria-lhes uma janela para um mundo que não se vislumbrava das muitas janelas
desta casa de final de rua. Este cenário era reforçado com uma grande varanda
fechada com caixilharia de ferro, embrião das célebres marquises citadinas,
onde existiam uns cadeirões de verga, e uma salamandra a lenha, permitindo
algum conforto nas noites televisivas.
As
irmãs viviam de uma agricultura de subsistência, rentabilizando o leite de duas
ou três vacas turinas e viveram alguns anos sem sobressaltos, entre o respeito
silencioso às conversas em família do senhor presidente do concelho, proferidas
na televisão e as sonoras gargalhadas
provocadas pelo o humor de Raúl Solnado,
cumprindo os seus deveres de católicas praticantes da santa madre igreja. Um
dia seguia-se a outro, num ramerame
que parecia eterno, pontuados pelas missas de domingo, naquela homogeneidade monocromática
das rotinas rurais, entre solstícios e equinócios quase sempre iguais e pelas
noites de tourada, onde os ânimos aqueciam, sempre divididos entre, “o coitado
do toiro” e “o coitado do forcado”.
A
vida parecia correr nesta mansidão lenta e vagarosa, até à hora que a morte as
levasse para o céu. Mas um dia a revolução chegou e adicionou à vida destas
mulheres, a ansiedade e a preocupação pelas
famílias que estavam nas ex-colónias, que já não viam há muitos anos, apesar de
irmãos, cunhadas, sobrinhas e até um filho, pertencerem a estes familiares
distantes e agora desprotegidos pela sorte, pelo destino, por Deus e pelo
Portugal democrático .
As noticias da televisão…
……as cartas que chegavam no
correio,
-----
o testemunho dos que vinham de férias e dos que regressavam em definitivo…..
Os
dias deixaram ser longos e doptados de fáceis rotinas e as muitas horas,
converteram-se em tempo que passa rápido no relógio.
Esta
casa feita de muitas casas, dos Guerra e ou dos Fontes como quiserem
identificar, com maçadoiro anexo, e aradeira na parede, encheu-se de repente
com pessoas distribuídas por 4 gerações. A densidade populacional dentro destas
paredes, colapsou. Colapsou no sentido de esgotar, de rebentar, de não caber
mais. As duas senhoras idosas viram a sua casa de família a dar abrigo a mais
17 pessoas. As suas solidões pasmadas e serenas foram substituídas pelo
encontro em pouco espaço de necessidades diferentes de cada um, e por tudo o
que isso provocava: barulho, stress, falta de privacidade, falta de paciência,
falta de móveis, falta de comida, falta de caminhos alternativos…
Os
quartos sobrelotaram, desdobraram-se as camas. A cozinha tinha 3 ou 4 fogões. As
refeições serviam-se por turnas, pois não cabiam todos à mesa. A grande varanda
tipo marquise passou a ser pequena e sitio de polémica na escolha do canal a
ver, só havia dois, mas havia 2! e da cadeira mais confortável e melhor
posicionada para ver televisão. Comprovou-se aqui neste espaço, como é vulgar,
a relatividade; como o definitivo nem sempre o é, como o efémero se associa ao
provisório. A vida das pessoas dá reviravoltas impensáveis. Tudo o que era
rotineiro e monótono desaguou num rio de movimentos e de imprevisibilidades.
As
idas ao quarto de banho, não sei como se organizavam. Uns fumavam outros não.
Uns eram velhos, outros eram crianças e vários nem uma coisa, nem outra. Uns
gostariam de nabo na sopa, outros abominariam nabo e outros nem sequer comeriam
a sopa. Refeições para 19, 19 pratos e 38 talheres para servir e para lavar,
pão proporcional a 19, bacias para lavar roupa de 19, cobertores e lençóis para
19. !9 cumprimentos pela manhã, 19 despedidas no final da noite. Alguns nunca
tinham vindo a Portugal, muito menos a Trás-os-Montes, nunca tinham sentido o
rigor do inverno, nem o inferno do verão. Uns gostavam de isto, outros gostavam
daquilo, uns dormiam tarde, outros dormiam cedo… As duas senhoras de provecta
idade nunca tinham sentido tamanha barafunda dentro de portas e nas suas vidas.
Penso que deixou de haver paciência para fazer crochet, deixou de haver tolerância para jogar à sueca, deixou de haver vizinhos a ver a televisão,
deixou haver a reza do terço no mês de Maio, deixou de haver …. E passou a
haver várias pessoas a falar ao mesmo tempo, passou a haver um cruzar de
vivências, passou a haver tolerância, respeito e revolta, nos conflitos… sim
porque em todo lado há conflitos... passou a haver 19 escovas de dentes no
lavatório do quarto de banho.
Foi
assim no verão de 1975. Um Portugal a rebentar pelas costuras, de lotação
esgotada, quase a cairmos para o oceano atlântico. Foi esta capacidade inesgotável
de acolher, que tornou possível a integração de meio milhão de pessoas, foi
isto que nos distinguiu de outros países com problemáticas semelhantes.
Os
apoios do tal IARN eram reduzidos, apenas me lembra dos cobertores, de alguns
litros de leite e uns queijos enlatados…. Valeu a vaca, valeu a horta, valeu o
amor e amizade, valeu a capacidade e a vontade de partilhar.
Os
mais novos e mais capazes rapidamente tomaram outros rumos, os mais velhos
permaneceram nesta casa feita de muitas casas, até morrer, devolvendo-se
progressivamente a outras solidões. Viram cada um partir na sua vez na
esperança e na resiliência da construção de uma nova vida e viram a
incapacidade de outros, convertida em permanência por falta de alternativas,
porque já eram velhos demais.
Hoje esta casa está só, porque
todos partiram e as memórias desagregam-se como as folhas caducas do outono,
que vão entrando pelas vidraças partidas.
In Ensaios de escrita, um
projecto sempre adiado - Anabela Quelhas
Anabela Quelhas (aprendente e
anotadora de espaços)
(sem acordo ortográfico)
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