JUSTES A nossa herança cultural também é formada por malhas de afectos que nos ligam aos sítios e às pessoas, definindo e justificando cada vez melhor as viagens que oscilam entre passado e futuro. Referências, laços, percursos e registos que só são valorizados pelos que partilham essa herança.
quarta-feira, 31 de dezembro de 2008
EMIGRAÇÃO BRASIL SÉCULO XIX
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terça-feira, 30 de dezembro de 2008
Castanhas
No final do mês de Outubro a castanha madura cai espontaneamente, abrindo-se espreitando no meio dos ouriços. Até Janeiro e mais, faz-se o uso da castanha verde, assada, cozida e até sem preparo algum.
Depois, quem quer conservar as castanhas, tem que proceder à sua secagem.
Hoje as castanhas são uma guloseima de Outono, que se come com gosto, quentinhas e boas, mas ninguém abusa, porque engorda, porque gera movimentos de ar desagradáveis e porque são caras, no entanto a castanha teve imensa importância na dieta alimentar dos nossos antepassados de Justes, substituindo por vezes o pão e a batata. A castanha era alimento de ricos e de pobres, consumidas após a refeição ou constituíam a própria refeição, e frequentemente mergulhavam no pote do caldo, formando uma deliociosa sopa adocicada e altamente nutritiva.
A castanha é usada na alimentação desde os tempos pré-históricos.
As castanhas que comemos, frutos do castanheiro, são ricas em amido (hidrato de carbono), o dobro da percentagem das batatas, em vitaminas C e B6 e potássio.
Antes de cozinhadas, deve-se talhar a casca, para que se possa libertar o vapor de água resultante da cozedura ou do assado, evitando que ela estoire ou expluda.
Para ampliar o seu tempo de consumo secavam-se as castanhas no caniço, por cima da fogueira que ardia na lage granítica das cozinhas. Em baixo os potes ajeitavam-se ao lume de dia e de noite e o calor elevava-se penetrando no caniço, secando o miolo e facilitando a separação da casca e da camisa. O seu tempo de secagem é de cerca de 30 dias.
O caniço é uma estrutura de ripado de madeira, com uma malha que permite não deixar cair as castanhas e ao mesmo tempo deixa passar o calor que irá secar as castanhas. Este processo caiu em desuso.
Em Justes nunca houve o hábito de transformar a castanha seca em farinha. Quando as pessoas iam para o campo trabalhar levavam sempre algumas castanhas secas no bolso, para assim enganarem a fome.
quarta-feira, 24 de dezembro de 2008
No dia da consoada
terça-feira, 23 de dezembro de 2008
Fogueira de natal
quinta-feira, 18 de dezembro de 2008
Expressões II
segunda-feira, 15 de dezembro de 2008
domingo, 14 de dezembro de 2008
Anos 70
Não se falava de poluição, nem de segurança rodoviária, falava-se apenas em escape livre que atormentava os ouvidos antigos, apenas habituados a escutar o piar dos galinácios.
Havia sempre alguém, por trás de uma janela entreaberta, fazendo o sinal da cruz seguido de uma praga pestilenta, e observava invejosamente o despojamento de uma juventude que lutava contra a tradição, e fazia amizade com a revolta, a inovação e a provocação; alguém incomodado pelo prazer e a felicidade dos outros.
Um beijo para ti Lino, e obrigada por partilhares comigo alguns quilometros de calceta, asfalto e terra batida.
quinta-feira, 11 de dezembro de 2008
Rabanadas (receita)
quarta-feira, 10 de dezembro de 2008
domingo, 7 de dezembro de 2008
Transmontaneidade de Trás-os Montes*
Morria-se cedo, com aquelas doenças que hoje achamos triviais, e que nos surpreendem, quando alguém leva no passaporte para outra vida, essa chancela… sendo até motivo para vir na televisão, abrir inquérito, etc….
A esperança de vida era reduzida, e vivida com tantas limitações, que nem conta se dava que afinal, se vivia!
Injustiça?
Era palavra que nem habitava no vocabulário dessas gentes!
...muitos morriam “anjinhos”, e as outras crianças é que carregavam o caixão, até à cova, na eterna cumplicidade da miséria e na aceitação de uma infância por cumprir, mas solidária.
O próximo seria um deles!
Uns morriam sem crescer, outros morriam um pouco mais tarde que os primeiros, ganhando asas celestiais, na fatalidade da vida madrasta. Outros, os mais felizes, talvez, nem despesa davam: nasciam directamente para o céu.
A fome, era fome a sério.
FOOOOOOOMMMMMMEEEE!
Fome!
F-O-M-E!
Carência alimentar extrema.
Andava-se descalço, fizesse calor ou frio! Os dedos dos pés por vezes, "engatinhavam" e convertiam-se numa chaga, de tanto gelo pisar. As crianças aprendiam a trabalhar, logo que saíam do colo da mãe, para dar a vez ao recém nascido.
...aconchegavam-se, deitando-se ao lado de uma ovelha mais tolerante, absorvendo um pouco de calor, da sua lã, sob o olhar silencioso, mas não menos sofrido, dos que os “botaram” ao mundo.
O leite era bebido da teta da cabrita, quando ela paria, e mesmo assim, eram as sobras que a cria deixava. E isto era quando tudo corria bem. Só que, era raro tudo correr bem!
Não existiam!
Usavam-se calças de rabo aberto, onde os excrementos escorriam e caíam para o exterior.
... imaginem senti-lo em dias de neve, sincelo e de muito, muito frio!!!… era assim que as crianças aprendiam a controlar as suas necessidades fisiológicas básicas!
Aprendiam sofrendo!
Sempre! … de geração em geração!
Nada se deitava fora, tudo se aproveitava! até a temperatura da urina e da bosta dos animais, e da sua posterior decomposição, ajudava a aquecer as modestas casas ou os abrigos onde viviam,
As enfermidades físicas, não se curavam, cortavam-se ou talhavam-se.
Talhava-se o coxo, cortava-se o ar, o mau olhado e a ziripela, levantava-se o ventre, rezava-se o sarampelo (sarampo, sarampelo, sete vezes vem ao pelo, põe-lhe papel e água benta) e padecia-se de trasorelho uma infinidade de dias. As enfermidades da alma, temiam-se e partilhavam-se numas “alminhas”, em hora de maior aflição.
Um milagre acontecido, mandava-se pintar a cena a um habilidoso e se oferecia ao Sr. do Calvário, em sinal de agradecimento, e para a próxima não ser pior.
Os loucos se amarravam!
Esses tempos cumpriram bem a chamada selecção natural. Sem dúvida!
Quando penso em injustiça, penso em guerras laborais. Penso na falsa democratização do ensino, penso no desemprego, na desigualdade de oportunidades, nas frágeis e incompatíveis relações de produção, penso em países invadidos por outros, que se sentem no direito de o fazer, ou seja, configuro os extremos do que é ou não justo, numa dimensão que já nem engloba estas situações limite, tão vulgares na transmontaneidade de há umas décadas atrás, e que se caracterizavam, pela precaridade extrema, pela não existência de tudo e de nada, pela miserabilidade consciente a todos os níveis,… pela dureza granítica de sentir!
Esta realidade provavelmente, e felizmente, será estranha a muita gente, mas afinal não precisamos de recuar mais de 3 décadas. Ela está a um passo atrás de nós, espreitando-nos ainda!
O mau, não se distinguia do péssimo, e o absolutamente insuportável, era o vivido no dia a dia.
Apenas há 3 décadas, existiam pessoas iguais a nós, que esperavam que os vizinhos acendessem o lume, para pedir o lume emprestado, evitando que se gastasse um fósforo, pois o dinheiro era muito caro!
Acho que injustiça na verdade é quando alguém vem lembrar as vantagens do antes, a justiça dos governantes que multiplicavam a fome, e defendiam o vinho como meio de matar a fome ao povo.
Injustiça, é apelar ao “antigamente é que era bom”.
Esperemos que nunca mais ninguém tenha de provar sequer o antigamente, muito menos vivê-lo!Já é mau recordá-lo!
quinta-feira, 4 de dezembro de 2008
No tempo do Volfrâmio parte V
Foram experimentadas novas culturas, como o tabaco!
Nada!
Parecia que a terra nada queria com os durienses!
O aparecimento do Volfrâmio deu novo ânimo às pessoas. Era uma nova oportunidade de vida, era a procura de melhores condições, era a salvação!.
Esta ânsia, desespero, vontade de viver, explicará porque se cometeram tantas loucuras.
Também explicará um velho ditado:“…na terra dos cegos, quem tem um olho, é rei! “
Pelas zonas, onde era constado que havia “minério”, concentravam-se centenas de pessoas, vindas de todo o País e até do estrangeiro. Num belo e exemplar trabalho apresentado pelo Curso de Geologia da UTAD , em exposição feita em Sabrosa – Vila Real, subordinado ao tema “ Reviver o passado do Vale das Gatas”, é descrito que laboraram no auge desta mina de exploração de Volfrâmio cidadãos oriundos de 48 concelhos de Portugal e de alguns países estrangeiros!
Elucidativo.
Vinham para arranjar minério, procurar a sorte, fazer fortuna.
Salazar, no seu jogo de não entrar na guerra, servindo os dois blocos em confronto, é obrigado a proibir a exportação do volfrâmio. Os preços caem a pique e, entretanto, acaba a guerra.
Os Alemães, predominantes donos das minas, ao saberem da proclamação do V.E Day ( Dia de Vitória na Europa), em Tratado assinado por Churchil e Truman, desaparecem do dia para a noite. Fica um! No Vale das Gatas. Aí permanece, constitui família e prossegue com a laboração da Mina.
Sujeitos à vigilância, ao medo, às “raitadas”, aos assaltos, à luta clandestina por um pedaço de volfrâmio, estes milhares de pessoas lançam-se desordenadamente ao assalto das minas sem dono.
Se até aí, o trabalho era duro, desumano e policiado, mas com o mínimo de segurança no interior das minas, obedecendo às regras da altura, ou seja avanço e escoramento do espaço escavado para evitar desmoronamentos, deu lugar à loucura!
As pessoas entravam desordenadamente nas minas e escavavam sem o mínimo de cuidado em escorar os avanços. Sofregamente escavavam, escavavam, à procura do filão mineralizado. Se eventualmente havia um “cavalgamento”, uma falha ( torções ou desvios, simplificando) do filão, desorientados escavavam buracos por todo o lado.
Muita gente morreu soterrada
Muitas lendas surgiram, desde então!
Em princípios dos anos 80, procedia ao levantamento de uma mina abandonada.
Era importante estudá-la por ser uma referência na zona. Daria informações importantes, àquela profundidade, da geologia da zona.
Era impossível entrar pela boca. Era um autêntico lago. Descobriu-se através de um miúdo que por ali andava com o gado, da existência de uma chaminé de acesso à mina. Uma cabra que por lá caíra e o medo de chegar a casa sem ela, obrigou o miúdo a descer até lá dentro. Descoberto o segredo, deu para verificar que o tal lago era somente na entrada e seria fácil de retirar a água. Requisitadas bombas de água aos Bombeiros locais, em quatro horas tivemos condições de segurança para entrar na mina.
Avancei com um colega.
Relembro a galeria central, ao longo do filão principal, com pequenas galerias laterais, de detecção. Pelo centro, vários poços, cheios de água, mas que tinham servido para detectar os tais ressaltos do filão principal.
Demorámos duas ou três horas. Quando se está lá dentro, parece que se esquece o mundo exterior. Somos nós, o silêncio e a rocha, que em surdina parece que nos comunica algo. O tempo passa por nós, sem nos apercebermos que há um relógio que teimosamente avança, um sol que se esconde, ou uma realidade exterior que esquecemos, entretanto.
De repente, um “chapinhar” chama-nos a atenção!
Chap, Chap, Chap,! Vozes lá ao longe: “ – Anda cá, para onde vais, desgraçado?”
Acabou-se o trabalho! O perigo daqueles poços no meio da galeria alertou-nos de que algo poderia acontecer.
Corremos para a boca da mina e deparámos com um homem, manco, agarrado a um varapau que avançava pela mina dentro.
“ – Para onde vai homem? Que anda aqui a fazer?”
“ – Se vocês entraram eu também posso entrar! Há anos que ando p’ra fazer isto, mas tinha cagaço. Agora já me posso gabar que entrei cá dentro!” – responde-nos cheio de orgulho.
Tínhamos que o acompanhar à boca da mina. Era um perigo, ele estar ali!
Conforme avançamos, vamos vislumbrando muitas silhuetas, todas inclinadas, a olhar lá para dentro.
É espanto contra espanto!
Que faz tanta gente ali?
Olhos penetrantes, incrédulos, olham quem se aproxima, debaixo daqueles fatos de borracha verde.
O homem que mancava mexia-se como se comandasse uma banda de música.
Nós sentíamo-nos como se fossemos almas do outro mundo.
Quando o resto da claridade do dia nos apanha de frente, dez ou quinze pessoas começam a bater palmas.
“- Estão vivos, estão vivos”!
Heróis!
Rezava a lenda que, quem entrasse ali, lá dentro morreria!
Nós voltámos. E, connosco vinha o manco.
De certeza que o homem que mancava se tornou herói local.
Para nós, acabado o trabalho, fomos à procura de novas sensações.
terça-feira, 2 de dezembro de 2008
No tempo do Volfrâmio parte IV
O entusiasmo escorre-lhe pelo rosto. Aqueles olhos habitualmente distantes, parecem adquirir vivacidade, quase brilho, num homem com aquela idade. Parece que uma nova juventude lhe dá forças
Já passou e bem a casa dos oitenta, ouve mal e anda sempre encostado a uma muleta. São medalhas do passado!
É a sua maneira de mostrar postura perante a vida!
Senta-se à mesa de café, toma o seu cafezinho e procura o jornal. Lê e relê, até o sono tomar conta dele.
Acorda.
Se há parceiros para uma partida de sueca, lá passa umas horas. Se está bom tempo, vem até ao sol, procurar um pouco de conversa. É um autêntico livro aberto, cheio de histórias e de vida. Histórias essas que prometeu contar-me e que passam apara além do Volfrâmio
“ – Cheguei a juntar 500 quilos. O negócio já estava tratado e tudo combinado. Só que o contacto demorou mais que o esperado e acabou a guerra. Pronto, lá se foi a fortuna. O preço veio logo para vinte escudos”, - vai contando.
“ Ladrões? Ui, era o que havia mais. Uma vez, de noite, batem-me à porta. Era um tipo com um saco de minério. Queria que lho comprasse. Disse-lhe que sim mas que aquela hora da noite não dava para ver. Que o deixasse ficar e eu via ao outro dia. Não senhor, não podia ser porque o minério era roubado. Sem ele dar conta, meti a mão no saco e tirei uma pedra. Pronto, está bem, volte então amanhã. Ao outro dia peguei na pedra e vi que era castanha. Não era volfrâmio, era da parte de lá do Marão ( hematite?). Naquela altura, tudo o que tivesse peso…era minério!”
” –Ainda me fui aguentando e quando já estava para desistir, rebentou a Guerra da Coreia. Foi a maluqueira, outra vez! O preço subiu outra vez para 500, 700 e até mil escudos”.
“ Eu governava a vida com o minério que arranjava, com o meu pessoal e com aquele que me vinham vender. Então, ia à Bila ( Vila Real) e deixava-os lá numa Pensão a um rapaz da minha idade. `A patroa não! Ao empregado, que era um rapaz da minha idade e que eu sabia que tinha negócios com os “engaijadores”. O sacana tirava sempre duas ou três pedras de cada saco e fazia sempre a sua maquia, mas dava para todos! Mas, quando acabou, se pobre fui, pobre fiquei… e ele ficou com uma das maiores fortunas da zona”
A nostalgia vem-lhe ao rosto. Começa a notar-se-lhe tristeza na voz e no olhar.
Tenho que o revigorar.
“ – Havia o negócio das “raitadas”! – recupera a alegria - “ Era feito de noite. Punham-se à pesca, de dia, perto da mina. Quando estava noite, convidavam o guarda da mina para comer os peixes e embebedavam-no. Então iam ao depósito do minério e roubavam o minério. Mas tinham que fugir, porque haviam os vigias, que andavam armados e atiravam a matar. Naquele tempo, andava tudo armado. Era fácil ouvir tiroteio, aqui e acolá! A gente até já nem ligava.”- O reviver mentalmente aquelas loucas aventuras, devolveram-lhe entusiasmo. Parecia até tremer, enquanto ia falando. A muleta, no braço direito, parecia uma picareta a desbravar rocha e terra.
Agora desbravava a memória e as saudades do tempo de rapaz.
“ – Mas, quantas vezes conseguiam enganar os vigias e, indo serra fora p’ra esconder o minério e numa encruzilhada, lá estavam eles. Chapéus enterrados até às orelhas, lenços a cobrir os olhos, arma apontada: - passa para cá o minério, ou morres já aqui! - Lá tinham que entregar tudo e voltar para trás. Tanta luta para nada. Os outros, os que andavam a assaltar é que governaram a vida. Sem se molharem ou sujarem ficavam com o minério. Foram esses que ficaram com as grandes fortunas que apareceram no Douro. Não demorou muito tempo, quando começaram a aparecer os carros, que eles se apresentavam com grandes “espadas”, compravam tudo e começaram a aparecer de gravata e charuto! Para esse é que o minério foi bom. Toda a gente lhes tirava o chapéu e os tratava por Senhor .!”
segunda-feira, 1 de dezembro de 2008
No tempo do volfrâmio parte III
Mas, continuando…
A febre emocional que se gerou na zona, por causa das riquezas que se obtinham com um pedaço de Volfrâmio, levou a que pessoas se deslocassem de Zona, indo para terras até aí quase desconhecidas, mas que dizia-se, havia minério!
Parecia o Far West Americano.
As mulheres tiveram também o seu papel importante nesta saga.
Enquanto os homens trabalhavam nas minas ou até por conta própria, procurando por tudo quanto era serra onde pudesse escavar e procurar o minério, as mulheres descobriram uma outra actividade.
Como disse já, existe um outro Tungsténio, a Scheelite, que era então conhecida por Volfrâmio Branco.
Havia bons depósitos desse mineral.
Havia e ainda há, como se comprovou há uns anos com a descoberta de uma grande jazida (colaborei nesse projecto), que chegou a ser considerado dos mais importantes da Europa, mas que, depois de investigado até aos 80 metros de profundidade, através de sondagens, foi abandonado. O preço do minério não compensava a exploração. Está lá, não azeda.
Na margem esquerda do Rio Douro, no topo do monte foi encontrado um filão de Scheelite. Os homens escavavam a céu aberto de modo a pôr a descoberto a rocha, para posterior desmonte.
Cá em baixo, na aldeia corria um regato, para onde as mulheres costumavam ir lavar roupa.
Num ápice tudo mudou. Elas, logo pela manhã, carregavam o cesto de verga, onde levavam os filhos ainda pequenos e um alguidar de alunínio!
Tinham aprendido a lavar a terra que iam extraindo do regato ou da margem que ficava por baixo dos trabalhos mineiros. O declive do monte e a chuva iam transportando pedacinhos de minério.
Já com “arte”, mergulhavam o alguidar cheio de terra e iam esfregando. Rodavam o alguidar com cuidado e a água ia levando a argila já solta. Passado um tempo, depois de muito repetirem esta operação, lá estava, no fundo o tal pó branco. Metiam-no em saquinhas e levavam para casa. À noite, poderiam dizer aos maridos:
“ Olha, consegui arranjar uns saquinhos de pó. Quando tivermos mais uns poucos temos que falar com o “engaijador” para o vender”
Entretanto, ia escondendo os saquinhos num buraco de parede, porque o comercio de minério estava vedado a particulares.
Mas esta actividade de garimpeira, não era pacífica. Às vezes, quando chegavam ao local de lavagem e que já consideravam de sua propriedade, esta já estava ocupado por outra mulher.
Pousavam o que levavam e:
“- Desanda-me já daí, que esse lugar é meu. Pira-te sua ladra desavergonhada!”.
A outra, ou lhe fazia frente ou tinha que ir procurar outro lugar! E, debaixo do avental, metido numa sacola presa à cinta, estava um pistolão. O primeiro tiro, sempre poderia acertar, porque eram armas de carregar pela boca! Eram autênticas mulheres de barba rija ou pêlo na benta, como eram apelidadas.
Entretanto, ia-se desenrolando uma tragédia silenciosa. As mães, quando iam para os regatos lavar o minério e se tinham filhos pequenos, ou os levavam dentro de cestos de verga ou os deixavam em casa a dormir.
Debatiam-se com um problema: as crianças tinham que dormir o máximo de tempo possível, para elas poderem labutar o mais possível!
Embebedavam as crianças!
Se tinham leite materno para as alimentar, depois davam-lhes umas colheres de chá, de vinho. Se não tinham e precisavam de leite de cabra, faziam o mesmo tipo de mistura. Até aguardente chegavam a misturar no alimento que lhes davam!
Triste miséria humana. Ignorância desumana
Esta situação continuou por muitos anos. Quem foi ou ainda é Professor, se lembrará de crianças que chegavam à escola pela manhã, a cheirar a vinho. O álcool já fazia parte dos seus hábitos alimentares desde bebé!
Esta história, foi-me contada por uma simpática velhinha, já há muitos anos, no regato onde ela própria correu a tiro uma outra mulher, de uma aldeia vizinha, que para ali tinha vindo lavar o minério branco!
“ – Ai senhor, - dizia-me entre lágrimas -. Aquilo é que era tempo de fome e miséria! Mas era nova, cheia de força. Agora, estou pr’aqui uma velha, à espera que o Senhor Deus me leve…”
domingo, 23 de novembro de 2008
No tempo do volfrâmio parte II
O querer ser alguém, e este “alguém” significa ter dinheiro, passar a ser respeitado, cumprimentado até por pessoas que até aí lhe não ligavam, o poder ir à tasca e pagar um rodada de copos a toda a gente, mesmo que houvesse um qualquer desaguisado por partilhas de regadios, era uma forte motivação. O poder pagar as contas na mercearia, onde o rol dava um missal, era motivo de orgulho. O chegar a casa e mostrar fartura à mulher e aos filhos, “ Ah! que orgulho”.
“ 500 Paus o quilo do minério preto? Mas onde está isso, que vou já lá?”
As serras encheram-se de buracos. Escava, aqui escava ali, e nada!
“-Mas onde está o maldito, que só aparece aos Alemães? –
Então só havia um remédio. Ir trabalhar para os Alemães, que haviam chegado em força e sabedores já, onde poderiam atacar o minério até ali ignorado. Os contratados, trabalhavam então de sol a sol, escavando as entranhas da terra, seguindo o filão de quartzo mineralizado. Abriam galerias, escavando e enviando para o exterior o material escavado, que posteriormente seria lavado e escolhido (falo em termos genéricos, porque o processo é mais complexo). Eram autênticas formigas a trabalhar.
Quartzo ? É isso! Estava ali o segredo, descobriram os que não se queriam sujeitar a trabalhar lá nas profundezas.
Em qualquer pedaço de monte, onde aparecesse um afloramento de quartzo, começavam a escavar, ao longo dele. Cinco seis metros e nada, nada do minério preto. Vinha então, ao de cima a malandrice, a ganância de riqueza rápida. Pegavam em pedaços miúdos da rocha branca, fritavam-nos em banha de porco, à lareira, porque o fumo sempre ajudava no embuste, até ficarem negros e luzidios.
Parecia Volfrâmio !.
No buraco já escavado, espalhavam o cozinhado e. faziam constar “à boca fechada” que em tal sítio começava a aparecer minério preto.
Depressa se fazia negócio. À calada, como convinha às duas partes!
“ Cinquenta, setenta notas de conto”.
Para uns riqueza efémera. Para outros ruína maior!
Havia um ritual que ficou célebre. O novo rico, adorava comer um caldo verde com bolachas. Era sinal de riqueza e de sucesso!
E para culminar a celebração, enrolar um pedaço de tabaco Águia numa nota de dinheiro, era motivo de orgulho.
Descoberto o embuste vinha a vingança. Os mais “espertos”, pegavam no dinheiro e família e mudavam de zona, para continuar o negócio.
Os trapaceiros que ficavam, ou morriam ou matavam, mas ficavam debaixo de olho, marcados pela má fama.
Entretanto, aqueles que continuavam a labutar debaixo da terra, iam ficando cansados e doentes. A tosse anunciava a tuberculose que aí vinha e a morte que se avizinhava. Os povoados começavam a encher-se de mulheres, algumas ainda novas, mas vestidas de negros, da cabeça aos pés. Só se viam viúvas, velhos mirrados e meia dúzia de crianças.
Os poucos homens que iam restando, ou se arrastavam pelos cantos, pálidos, lenço sempre à mão para …encobrir o que toda a gente via ou adivinhava. Estava por pouco, o desgraçado!
Os que restavam, andavam lá em baixo, nas profundezas, a gastar o resto das suas forças para ganhar o pão, para as suas famílias.
sábado, 22 de novembro de 2008
No tempo do volfrâmio parte I
Pobreza extrema, miséria! Salazar joga com os dois blocos em confronto ( Alemanha e Inglaterra) de modo a não intervirmos directamente na guerra mas, fornecendo aos dois lados aquilo que na altura eram elementos imprescindíveis para sobrevivência humana e militar.
As conservas e o volfrâmio!
As conservas para alimentação das frentes de combate, e o próprio nome, conservas explica tudo, quer no tempo de consumo ou condições climatéricas, enquanto o volfrâmio tinha aplicações bélicas (essencial nos processos de reforço do aço, nomeadamente, nas blindagens, componentes de tanques, aviões, motores, etc)
O Litoral e em particular o Algarve, forneciam as conservas.
Trás-os-Montes e as Beiras, foram o principal fornecedor de volfrâmio para a I e II Grandes Guerras e posteriormente para a Guerra da Coreia ( década de 50)
Convém esclarecer um pouco de história, embora curta do que é o Volfrâmio.
Minério de Tungsténio ( do sueco Tung Sten, que quer dizer “ pedra pesada”) descoberto por Peter Wolf, daí chamada Wolframite. Mais tarde Peter Scheele descobre um outro tipo de Tungsténio: a Scheelite. A diferença entre os dois é que a Wolframite é um tungsténio de ferro e manganês enquanto a Scheelite é um tungsténio de cálcio.
Na gíria, ao tempo eram conhecidos por Volfrâmio Preto e Volfrâmio Branco, esta última. Contudo, ambos extremamente impostantes para a altura bélica, e caríssimos na época.
Vejamos.
O volfrâmio em 1942 estava oficialmente cotado ao preço de 150 escudos o quilo; no entanto no mercado livre vendia-se a 500 escudos chegando no pico do conflito mundial a transaccionar-se a 1000 escudos. Nessa altura um mineiro ganhava 18 a 20 escudos por dia e um trabalhador rural 7 a 8 escudos, importâncias que permitem relativizar o valor do metal na altura.
Imagine-se o que significava “arranjar” uma pedrinha com Volfrâmio!
Quanto representava para a família, 100 gramitas!
E se encontrasse uma mina?
E, se em vez de andar lá nas galerias, se roubassem os transportadores, que iam entregar o produto, no fim do dia ou da semana!
Fizeram-se fortunas num dia, ou num momento!
Desfizeram-se sonhos num instante.
sexta-feira, 21 de novembro de 2008
Superstições
quarta-feira, 5 de novembro de 2008
quarta-feira, 15 de outubro de 2008
terça-feira, 14 de outubro de 2008
domingo, 12 de outubro de 2008
Sr. dos Passos e Sra do Encontro - a verdadeira história (parte 3)
Em Justes estas imagens ainda saem integradas em procissões mas sem a teatralidade original. Mesmo a simulação do comovente encontro das duas figuras, mãe e filho, Nossa Senhora das Dores – a mãe – e Jesus Cristo - o Filho, razão de ser o nome Sra. do Encontro, no percurso da Paixão, vai-se perdendo na memória do povo, e normalmente as duas figuras saem e integram a procissão sempre juntas, não cumprindo assim o fim a que foram destinadas.
Segundo o depoimento das pessoas mais idosas de Justes, estas referenciam como terem presenciado e terem inclusivamente integrado pequenas dramatização do encontro dos dois, em tempo de Quaresma, ou de agradecimento de dádivas, já há mais de setenta anos, ou seja por volta da década de 30, do século XX.
Quanto ao ritual de vestir e despir as figuras, o Sr. Dos Passos possui uma linha de roupa interior e outra exterior, e sempre que muda de roupa, são os homens que realizam a operação de o vestir interiormente.
O curioso é a própria igreja, deixar levar ao esquecimento todo este processo histórico ligado a estas imagens, deixando apagar da memória dos crentes os rituais tradicionais da cultura cristã ibérica. Anabela Quelhas
sábado, 11 de outubro de 2008
Sr. dos Passos e Sra do Encontro - a verdadeira história (parte2)
Para a consecução deste objectivo mimético, as imagens passaram a ser construídas com membros articulados, para que pudessem assumir uma gestualidade eficiente e evocativa, variável de acordo com o progresso da acção cénica.
As imagens serviriam assim para inflamar os sentidos dos fiéis em direcção às coisas celestiais, actuando como pontes entre o devoto e o ser divinizado que representam, pelas quais aquele poderia estabelecer alguma espécie de comunicação com o retratado e deste receber graças por intermédio de sua imagem.
Os vestidos variavam muito, podiam estar coordenados com a cena original da Paixão de Cristo com muito preto e roxo , mas também podia divergir completamente, para uma roupagem com brocados, galões, bordados a ouro e prata, sedas fitas e jóias.
As nossas imagens de roca, pelo menos actualmente, apresentam-se modestas.
São imagens diferentes na sua concepção e construção.
O Sr. dos Passos é uma escultura de anatomia completa mas muito simplificada, articulada e vestido em tecido. A articulação dos membros permite que assuma posturas diversas de acordo com o progresso da acções cénicas para as quais foi concebido..
A Sra. do Encontro é uma escultura mais singela, possui o corpo com armação de madeira com feitio de tronco, excepto as mãos, pescoço e cabeça, que são as partes visiveis.
O termo roca por vezes é associado à roca de fiar, seja pelo uso da roca na confecção do tecido que era usado para vestir as imagens, seja por causa da semelhança da forma de certo tipo de fuso onde se enrolava o fio, ou do bojo da vara para a rama do algodão destinada ao tear, com as estruturas abauladas de ripas do corpo das estátuas de representação incompleta. Cabe ressaltar há efectivamente uma diferença entre as imagens de roca das imagens de vestir, Todas as imagens de roca são de vestir mas nem todas as imagens de vestir são de roca, ou seja têm a finalidade de sair da igreja para a realização de cenografias religiosas. (continua)
sexta-feira, 10 de outubro de 2008
Sr dos Passos e Sra do Encontro - a verdadeira história (parte1)
Sra do Encontro é outra estátua de características um pouco diferentes depositada também na mesma igreja.
Sr. dos Passos, é o nome pelo qual é tratado aqui em Justes. Noutros sítios acrescentam-lhe o Nosso para que sugira a figura sacra que efectivamente é, ou seja a invocação de Jesus Cristo personalizada no trajecto que este percorreu desde a sua condenação até à sua cruxificação no Calvário e sepultamento.
A devoção a esta figura ultrapassa a fundação desta pequena aldeia.
Em Portugal esta invocação tornou-se muito popular, dando origem a uma vasta iconografia e onde existem inúmeras igrejas fundadas sob a sua protecção, que durante a Semana Santa procedem à tal dramatização referida.
A teatralização das cenas religiosas durante a Idade Média tem como inspiração o teatro de marionetas, ou seja o uso de bonecos vestidos de acordo com a cena que representavam. Recuperado aquele tipo de encenação pelo teatro de ópera, no século XVI europeu, as cenas, caracteristicamente, uniam a visão e a audição ao sentimento e à ilusão.
Para colocar os conjuntos de imagens na rua, foi necessário investir nas esculturas em tamanho natural e denominadas por esculturas de roca (termo de origem castelhana, que significa rocha, relacionado com os locais que iriam servir de cenários a estas representações).
Assim durante a semana santa ocorreriam essas cenas religiosas na rua, que acabaram por ter também influência barroca, através da sua grandiosidade e teatralidade exprimindo o sofrimento na Paixão de Cristo.
O sistema foi largamente explorado pelo clero e encontrou grande aceitação pela massa dos fiéis, sendo verificada grande irradiação desta dramaturgia para o mundo católico das Américas realizada especialmente por Espanha e Portugal.
As duas figuras religiosas existentes em Justes, estão certamente ligadas a esta descrição e deverão datar da transição do século XVII para o século XVIII. As imagens permaneceram ao longo dos anos guardadas e expostas dentro de uma vitrine/nicho em madeira, como a existente nesta capela, e localizada do lado esquerdo do altar mor, e que aí permaneceu até aos anos 80, quando foi removida para restauro da Igreja. Esta vitrine nicho também estaria integrada numa linha decorativa barroca, lacada a branco e dourado, semelhantes às ainda existentes em diversas igrejas da região. (continua)
quinta-feira, 9 de outubro de 2008
Escola Primária
sábado, 27 de setembro de 2008
Expressões 1
A linguagem pode ter várias funções e várias expressões, e é necessário que o emissor e receptor se ponham de acordo quanto ao significado da mensagem..
A linguagem popular é enriquecida quando o povo cria expressões características de uma região ou de um sitio (expressões regionais), frequentemente só entendidas pelas pessoas que conhecem esses códigos de comunicação. Para quem não os conhece as expressões resultam sem sentido e por vezes muito ridículas.
A expressão popular ou idiomática, na língua portuguesa, é uma expressão que se caracteriza por não ser possível identificar o seu significado através das suas plalavras individuais ou do seu sentido literal. Desta forma, também não é possível traduzi-la para outra língua de modo literal ou directo. Essas expressões geralmente originam gírias, e peculiaridades de diversos grupos de pessoas: seja pela região, profissão ou outro tipo de afinidade.
A expressão funciona como um todo, uma unidade.
domingo, 21 de setembro de 2008
GLOSSÁRIO
(em construção permanente)
PESTIÇAR - choramingar ou fazer de conta.
NESPRA - nespera (fruta)
QUENGUENHO - caule estruturado do cacho de uvas
TALEFE - ponto de cota mais elevada de uma serra.
sábado, 20 de setembro de 2008
sexta-feira, 19 de setembro de 2008
Hydrangeas
Cores: Na maior parte das espécies de Hydrangeas as flores são sensíveis ao PH, sendo as flores de cor roxa escura ou azul cobalto prevalecentes em solos mais ácidos, enquanto a cor branca ou verde clara indica que o solo é neutro e a cor de rosa resulta de terrenos alcalinos. Por esta razão, se preferir que a planta tenha flores de cor azul basta acidificar o solo com um preparado à base de ferro (por exemplo, há quem espete um prego ferrugento perto das raízes da Hortênsia, não garanto que resulte mas não custa tentar...). Existem à venda preparados destinados a influenciar a cor das hortênsias, que nos meses quentes possuem uma vegetação verde escura muito bonita.
terça-feira, 16 de setembro de 2008
Choque de culturas em alto mar
segunda-feira, 15 de setembro de 2008
domingo, 14 de setembro de 2008
Alcunhas (2)
Mário da Chica
Zé da Rita
Serafim da Rabeca
Marianos
Lúcios
Monarco
Brancas
Clariços
Flávias
Patronímicos:
(com origem no nome do pai ou outro elemento masculino)
Alberto do Roque (Roque sogro)
Elbira do Guilherme
António do Ferciano (Feliciano)
Augustinha do Amâncio
Augusta do Alexandre
Tonecas
Bernardas
sábado, 13 de setembro de 2008
Quelho
quinta-feira, 11 de setembro de 2008
Alcunhas (1)
Nomes engendrados pela deformação linguística do falar das gentes, nomes que reforçam os laços familiares com o pai ou com a mãe, nomes que se relacionam com as profissões ou actividades, com defeitos físicos, e muitos outros que se devem à imaginação fértil de cada um, vão passando de geração em geração.
Algumas alcunhas contêm uma estória ou acontecimento relacionado com a pessoa, e assim quando é mencionada, trás como apêndice a tal estória, que passando de boca em boca vai ganhando cada vez mais importância sobrepondo-se ao nome próprio. A imaginação do povo é fértil e acutilante, por vezes até cruel.
Alguns ostentam a alcunha com orgulho, outros nem por isso… outros provavelmente nem se identificam com ela desconhecendo-a. Claro que a alcunha, na maior parte dos casos é utilizada com recato e discrição não sendo utilizada no trato directo com a pessoa.
Deformação do nome:
Mairos
Bicentas (Vicente)
Bitra (Mulher do Vítor)
Pompílio (Olímpio)
João Pató (deformação de general Paton, aplicado aqui devido a um casaco comprido)
Palhuços (Palheiros)
Boala (mulher do Boal)
Clarinetos (Clara)
Ana Bicha (Bicho)
Característica física:
Manel Careca (nome herdado, o original seria careca)
Homem dos picos (cabelo à escovinha)
Melros (por serem morenos)
Amor sem pescoço
Centanico (por ser baixo. Centanico – centeio raro e fraco)
Maria mouca
Marantona
Manhufa